O
período da Igreja, vivido pelos préreformadores, ficou conhecido como a fase da
“Igreja Deformada”. Nesse ínterim, surgiram homens que exerceram grande
influência sobre os reformadores. John Tauler foi um deles. E alguns consideram
que ele foi protestante antes mesmo do protestantismo.
John
Tauler (1300-1361)
Tauler nasceu na cidade de
Strasbourg Alemanha por volta de 1300. Entrou para a ordem dominicana local aos
quinze anos de idade. Sua compreensão das realidades do mundo espiritual e da
alma humana era profunda e por volta de 1325 foi ordenado padre dominicano.
.
Só em 1498 seus sermões forma
publicados em Leipzig, sendo que a
edição impressa em Augsburg em 1508 foi lida por Lutero. Ele admirava sua
defesa de uma completa submissão à vontade de Deus e suas notas sobre os
sofrimentos que atormentam as almas devotas.
O fundamento da vida, para
Tauler, é a essência de nossa alma e é o lugar onde vamos ter contato direto
com a Divindade. Enfatiza que neste nível profundo somos guiados por uma fome
insaciável por Deus e uma predisposição para recebê-lo. Os textos enfatizam
também que devemos abandonar o egoísmo e nossa vontade própria se queremos nos
unir a Deus, e Tauler dá a maior relevância ao papel de Cristo neste processo.
A atitude que devemos aprender é essencialmente a passividade, deixando Deus
trabalhar em nós.
De fato, em geral Tauler
creditava o imenso valor espiritual das tribulações diárias, e como estas
servem para distinguir a verdadeira da falsa testemunha. Tauler demonstra uma
grande compreensão de nossos períodos de fraqueza e falha.
Lutero, entendeu a doutrina da
justificação por meio das Sagradas Escrituras, mas foram os escritos de Tauler
que corroboraram para que isso fosse possível. A influência principal dos
escritos de Tauler ocorreu por conta de sua sistematização empenhada nessa doutrina:
a justificação.
Os considerados
pré-reformadores foram intelectuais que manifestaram suas insatisfações
espirituais por não encontrarem na igreja romana, espaço para que pudessem
exercitar sua fé. Essas insatisfações não tinham por objetivo criar uma nova
igreja, mas, sim, fazer que a igreja romana voltasse à orientação da Palavra de
Deus, a Bíblia Sagrada. Dessa maneira, a Reforma deve ser vista como um
movimento interno por parte de “católicos” comprometidos com a Palavra de Deus.
Sermão de Johann Tauler: os cinco
pórticos da piscina Betesda.
No
Evangelho de São João (João 5:1-11), lemos que Jesus foi a Jerusalém num dia de
festa dos Judeus. Havia uma piscina com cinco pórticos, onde um grande número
de enfermos jazia esperando que um anjo do Senhor descesse e agitasse as águas
da piscina. A primeira pessoa que mergulhasse na água depois de ela ser agitada
seria curada de sua doença. Havia um homem cuja doença durava já trinta anos. Quando
o senhor Jesus o viu e soube que ele lá jazia por tanto tempo, Ele disse:
“Queres ser curado?” O doente respondeu: “Senhor, não tenho ninguém que me
lance na piscina, tão logo a água seja posta em agitação; e, enquanto eu vou,
outro desce antes de mim.” Nosso Senhor disse: “Levanta-te, toma a tua enxerga
e anda.” Ele foi perguntado logo depois, mas ele não sabia se fora Jesus que
tinha feito aquilo por ele. Mais tarde, contudo, nosso Senhor o encontrou e
disse: “Eis que ficaste curado. Não tornes a pecar, para não te suceder coisa
pior.”
Essa
piscina de água significa o Filho, nosso querido Senhor Jesus Cristo, e as
águas que se agitam na piscina significam o Precioso Sangue do Filho querido de
Deus, que é Deus e homem. Ele nos lavou totalmente em Seu precioso sangue, e em
Seu amor Ele lavará todos os que vierem a Ele até o final dos tempos. O grande
número de enfermos que esperavam, nas margens da piscina, a agitação das águas
significa, em certo sentido, toda a raça humana. Eles esperaram por toda a
vida, sob a Lei Antiga, até que o Precioso Sangue nessa adorável piscina
pudesse se agitar para curá-los; pois até que isso acontecesse, eles nunca
conseguiriam recuperar sua saúde e ser salvos. Mesmo atualmente, quando nossa
salvação já foi forjada, ninguém pode ser salvo, ou recuperar a saúde, exceto
por meio da maravilhosa água da piscina, isto é, do sangue de nosso Senhor
Jesus Cristo. E o doente que não vier a ela, deve morrer e perecer eternamente.
Havia
cinco pórticos que levavam a essa piscina. Num certo sentido, eles significam
as chagas de nosso Senhor, por meio das
quais e nas quais somos todos curados. Mas em outro sentido, esses cinco
pórticos significam cinco virtudes que devemos praticar. Cada um de nós precisa
de todas elas, mas cada um é mais particularmente doente numa parte de sua
natureza que o outro e, portanto, precisa de exercitar uma particular virtude
mais que as outras.
O
primeiro pórtico, a primeira virtude a ser praticada, é uma profunda humildade. Um homem deve se considerar um
nada. Deve saber como subjugar-se pacientemente a Deus e a todas as Suas
criaturas, e aceitar tudo, qualquer que seja sua causa, como vindo diretamente
de Deus e de ninguém mais. Deve confiar em Deus com humilde temor,
desprezando-se verdadeiramente em tudo que lhe ocorrer, tanto na alegria quanto
na tristeza, na riqueza ou na pobreza.
O
segundo pórtico é a resolução de sempre viver olhando para o interior de nossa alma.
Meus
filhos, o quanto isso é necessário para tantos homens e mulheres! Suas
intenções são as melhores; mesmo assim, por não se terem posto em guarda quanto
a isso, eles se afastaram dessa vida no centro de suas almas. Ocuparam-se com
práticas e exercícios que parecem muito bons – coisas como ensinar ou escutar
outras pessoas, conversas pias ou trabalhos mais ativos – e assim eles exercem
seus sentidos e têm prazer no que é, para eles, tolices. Santo Agostinho diz que alguns vagueiam em lugares
tão distantes que nunca conseguem retornar. Qualquer que seja a ocupação de um
homem, qualquer que sejam os trabalhos que faz, ele nunca deve se esquecer da
vida que Deus plantou no interior de sua alma, e deve fazer de tudo em seu
poder para manter sua atenção firmemente lá fixada. Se ao menos fizer isso, ele conseguirá executar
tantas tarefas quanto queira, sem nunca perturbar a verdadeira paz; mas se
abandonar as profundezas de sua alma, ele não encontrará paz nos trabalhos
exteriores, pois todas as suas atividades serão inspiradas por tolices. Por ser
movido por seus sentidos e por uma indevida atenção às coisas exteriores, ele
estará surdo à voz de Deus, que o inspira e o alerta desde dentro sua própria
alma.
O
terceiro pórtico da piscina é o verdadeiro e profundo arrependimento de nossos
pecados. Se você não sabe o que é tal arrependimento, ele é um sincero
afastar-se de tudo que não seja o próprio Deus, e um sincero aproximar-se de
Deus com todo o seu ser; isto, e isto somente, é o núcleo e o âmago do
arrependimento. Quando isso é feito, você deve mergulhar com completa confiança
naquela adorável e pura bondade que é Deus. Você deve sempre permanecer com Ele
e n’Ele, numa dependência amorosa d’Ele, procurando-o somente, com uma vontade
completamente pronta a fazer a adorável vontade de Deus, no limite de suas
forças. Filhos, isso é a própria raiz do arrependimento. Qualquer um que tenha
esse arrependimento abandonará indubitavelmente todos os seus pecados; e quanto
maior seu arrependimento, tanto mais completa e verdadeiramente Deus perdoará
seus pecados.
O
quarto pórtico é a pobreza voluntária. Filhos, devemos distinguir a pobreza
externa, que é uma questão de acaso, e a pobreza interna, que é a essência da
verdadeira pobreza. A pobreza externa não é para todos, nem todos os homens são
chamados à pobreza externa. Mas todos somos
chamados à pobreza essencial, e qualquer um que ame a Deus deseja ser pobre
deste modo. Essa pobreza significa que somente Deus deve possuir as profundezas
de nossas almas, que devemos não possuir nada exceto Ele, e que devemos possuir
nossos bens como Deus os possui, na pobreza de espírito. São Paulo disse: “Como
homens que não têm nada e possuem tudo.” Isso significa que não há nada,
riqueza ou amigos, corpo ou alma, prazer ou lucro, que tais homens amem tanto
que não possam alegremente abandonar à mercê da vontade de Deus, por amor a Ele
e por Sua glória. Se Ele nos pede algo que possuímos, devemos entregá-lo a Ele
de todo nosso coração. Nossas naturezas doentes
dificilmente suportam tal coisa, mas isso não importa, contanto que nossa
vontade esteja pronta para qualquer coisa. Filhos, essa é a verdadeira e
essencial pobreza, a que todos os homens são chamados e que Deus pede a todos:
ter um coração livre, vazio e a Ele dirigido, mantido cativo por coisa alguma,
por nenhum prazer ou amor mundano, e firme em sua resolução de abandonar tudo
se Deus assim o desejar. Um homem pode ainda ter essa pobreza essencial, mesmo
se possuir todo um reino! Sua riqueza não precisa o impedir de receber Deus,
contanto que não se demore nas coisas transitórias, e contanto que não coloque
nela sua esperança de paz, mas sempre estenda as mãos de seus desejos na
direção daqueles dons graciosos de pura bondade que são o Próprio Deus. Somente
Deus pode satisfazer sua vontade e as profundezas de sua alma; e mesmo que em
suas faculdades mais inferiores e em sua natureza animal, prazer e dor possam
alegrá-lo ou deprimi-lo, isso não importa se ele sofrer tudo pacientemente e
oferecer o sofrimento a Deus.
O
quinto pórtico é o oferecimento a Deus de tudo o que recebemos d’Ele, e d’Ele
apenas; referir à fonte e às profundezas de onde tudo nos vem. Queridos filhos,
que coisa maravilhosa seria se real e verdadeiramente conseguíssemos entrar por
este pórtico! Contudo, há muitas almas
privilegiadas neste mundo que pensam que estão fazendo isso, enquanto, com
efeito, estão perdidas no caminho. Deus as concedeu vários grandes dons que
deviam se constituir no começo de uma nova vida para elas, mas elas se tornaram
presas a eles. Ao invés de referirem tudo imediatamente ao Doador, elas
usufruem o prazer que lhes trazem os dons e os usam para mantê-los para si
próprias como se eles fossem suas propriedades, e desse modo elas causam a si
mesmas danos incontáveis. Se tais pessoas estivessem procurando a Deus por Ele
mesmo, elas não seriam tão gananciosas com o que Ele lhas deu.
Havia
inúmeros doentes à beira da piscina, e aquele que chegasse primeiro às suas
águas, depois de estas terem sido agitadas, se curava imediatamente. Essa
agitação das águas significa a descida do Espírito Santo sobre o homem, tocando
seu mais recôndito coração e causando lá uma grande convulsão, a fim de que o
coração se vire e se mova na direção de Deus. Quando isso acontece, as coisas
que antes deliciavam o homem não mais lhe dão prazer, e as coisas que
costumavam causar-lhe tribulação são agora uma alegria; desprezo, miséria,
esquecimento, abandono, a vida interior, humildade, humilhação e renúncia de
todas as coisas criadas; tudo isso é agora a maior felicidade para ele. Quando
essa convulsão acontece, o homem enfermo, isto é, o homem exterior, emprega sua
força para chegar à piscina. Lá ele se lava em Cristo, em seu mais Precioso
Sangue, e pela força que vem desse toque, ele é verdadeiramente curado. Como a
Escritura diz em outra parte: “Todos que O tocavam eram curados.”
Às
vezes nosso Senhor, em Seu grande amor, deixa as pessoas jazendo com se fossem
enfermas quando estão real e completamente curadas. Elas não sabem disso, e
passam toda a vida como sofredoras. Nosso Senhor faz isso porque Ele sabe que
se elas percebessem que estavam completamente curadas e bem, ficariam muito
satisfeitas consigo mesmas; e assim, em Seu grande amor, Ele as deixa lá por
toda a vida, em ignorância e temor, lutando, se humilhando e ainda assim sempre
se recusando a agir contrariamente à vontade de Deus, sem se importarem com o
que as aprisionou ou com o que ainda lhas está reservado. Mas quando o
dia glorioso vier, quando Deus em Seu amor as chamar para a casa ao Seu
encontro, quando a morte lhes colher, então, filhos queridos, Ele as
recompensará pela ignorância e escuridão que suportaram. Ele as consolará como
um pai. Às vezes mesmo antes da morte Ele lhas permitirá saborear o gozo eterno
que as espera, e então elas morrerão em grande paz. Àqueles que penaram continuamente
nessa escuridão Ele recebe imediatamente em Seu inexprimível e eterno amor, e
eles mergulham em Sua divindade. Estes são os mortos de quem se fala:
“Bem-aventurados são os mortos que morreram em Deus.”
Filhos,
não devemos esquecer que o homem enfermo que nosso Senhor curou na piscina
permaneceu lá por muitos anos. Esse enfermo foi criado não para a morte, mas
para a glória de Deus. Oh, se pelo menos conseguíssemos manter as profundezas
de nossa alma em verdadeira paciência, tal como esse enfermo esperou por trinta
anos pelo Próprio Deus que veio e o curou e lhe ordenou que andasse! Quão
diferente disso são as pessoas que dão os primeiros passos na vida espiritual e
depois dela desistem por não se produzirem resultados maravilhosos, que se
queixam de Deus como se Ele as tivesse feito algum dano. Quão poucas pessoas há
que possuem essa virtude excelente, que conseguem esperar, suportar, e se
manterem em seu estado presente, sofrendo a doença, o cativeiro, a tentação até
que o Senhor decida curá-las. Verdadeiramente, essa é a razão porque Ele não as
ordena que se levantem, andem, tomem sua cama, sejam curadas. Se conseguíssemos
suportar a prisão deste mundo, nunca procurando escapar até que nosso Senhor
nos libertasse, que coisa esplêndida seria, meus filhos, que força e maestria
isso não nos traria. Então, com efeito, o Senhor nos diria, “Levantem”. Lá não
mais jazeríamos sem esperanças, nos libertaríamos de todos os aprisionamentos,
estaríamos soltos, libertos, com a liberdade de irmos embora; e verdadeiramente
tomaríamos nossas camas, pois agora teríamos o poder e a força de pegar e
carregar a coisa que nos estava carregando antes.
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