A
Ira de Deus
por
Arthur
W. Pink
É triste ver tantos cristãos professos que parecem considerar a ira de Deus como uma coisa pela qual eles precisam pedir desculpas, ou, pelo menos, parece que gostariam que não existisse tal coisa. Conquanto alguns não fossem longe o bastante para admitir abertamente que a consideram uma mancha no caráter divino, contudo, estão longe de vê-la com bons olhos, não gostam de pensar nisso e dificilmente a ouvem mencionada sem que surja em seus corações um ressentimento contra essa idéia. Mesmo dentre os mais sóbrios em sua maneira de julgar, não poucos parecem imaginar que há na questão da ira de Deus uma severidade terrificante demais para propiciar um tema para consideração proveitosa. Outros dão abrigo ao erro de pensar que a ira de Deus não é coerente com a Sua bondade, e assim procuram bani-la dos seus pensamentos.
Sim, muitos há que fogem de visualizar a ira de
Deus, como se fossem intimados a ver alguma nódoa no caráter divino, ou algum
defeito no governo divino. Mas, o
que dizem as Escrituras? Quando a procuramos nelas, vemos que Deus não faz tentativa alguma para ocultar a realidade da Sua ira. Ele não se envergonha
de dar a conhecer que a vingança e a cólera Lhe pertencem. Eis o Seu desafio: "Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum Deus comigo; eu mato, e
eu faço viver; eu firo, e eu saro; e ninguém há que escape da minha mão. Porque
levantei a minha mão aos céus, e direi: Eu vivo para sempre. Se eu afiar a
minha espada reluzente, a travar do juízo a minha mão, farei tornar a vingança
sobre os meus adversários, e recompensarei aos meus
aborrecedores"(Dt.32:39-41).
Um estudo na concordância mostrará
que há mais referências nas Escrituras à indignação, à cólera e à ira de Deus,
do que ao Seu amor e ternura. Porque Deus é santo, ele odeia todo pecado; e
porque ele odeia todo pecado, a Sua ira inflama-se contra o pecador. (Sl.7:11).
Pois bem, a ira de Deus é uma perfeição divina tanto como a sua fidelidade, o Seu poder ou a Sua misericórdia. Só pode ser assim, pois não há mácula alguma, nem o mais ligeiro defeito no caráter de Deus, porém, haveria, se Nele não houvesse "ira"! A indiferença para com o pecado é uma nódoa moral, e aquele que não odeia é um leproso moral. Como poderia Aquele que é a soma de todas as excelência olhar com igual satisfação para a virtude e o vício, para a sabedoria e a estultícia? Como poderia Aquele que é infinitamente santo ficar indiferente ao pecado e negar-Se a manifestar a Sua"severidade"(Rm.11:22) para com ele? Como poderia Aquele que só tem prazer no que é puro e nobre, deixar de detestar e de odiar o que é impuro e vil? A própria natureza de Deus faz do inferno uma necessidade tão real, um requisito tão imperativo e eterno como o céu o é. Não somente não há imperfeição nenhuma em Deus, mas também não há Nele perfeição que seja menos perfeita do que outra.
A ira de Deus é sua eterna ojeriza por toda
injustiça. É o desprazer e a indignação da divina equidade contra o mal. É a
santidade de Deus posta em ação contra o pecado. É a causa motora daquela
sentença justa que ele lavra sobre os malfeitores. Deus está irado contra o
pecado porque este é rebelião contra a Sua autoridade, um ultraje à Sua
soberania inviolável. Os insurgentes contra o governo de Deus saberão um dia
que Deus é o Senhor. Serão levados a sentir quão grandiosa é aquela Majestade
que eles desprezaram, e como é terrível aquela ira de que foram ameaçados e a
que não deram a mínima importância. Não que a ira de Deus seja uma retaliação
maldosa e mal intencionada, infligindo agravo só pelo prazer de infligi-lo, ou
devolver a ofensa recebida. Não; embora seja verdade que Deus vindicará o
domínio como Governador do universo, ele não será revanchista.
Evidencia-se que a ira divina é uma das perfeições
de Deus, não somente pelas considerações acima apresentadas, mas também fica
estabelecido claramente pelas declarações expressas da Sua Palavra.
"Porque do céu manifesta a ira de Deus..." (Rm.1:18). "Manifestou-se
quando foi pronunciada a primeira sentença de morte, quando a terra foi
amaldiçoada e o homem foi expulso do paraíso terrestre; e depois, mediante
castigos exemplares como o dilúvio e a destruição das cidades da planície com
fogo do céu, mas, especialmente pelo reinado da morte no mundo todo. Foi
proclamada na maldição da lei para cada transgressão, e foi imposta na
instituição do sacrifício. No capítulo 8 de romanos, o apóstolo Paulo chama a
atenção para o fato de que a criação inteira ficou sujeita à vaidade, e geme e
tem dores de parto. A mesma criação que declara que existe um Deus, e publica a
Sua glória, também proclama que Ele é inimigo do pecado e o vingador dos crimes
dos homens. Acima de tudo, porém, do céu se manifestou a ira de Deus quando o
Filho de Deus veio a este mundo para revelar o caráter divino, e quando essa
ira foi demonstrada nos Seus sofrimentos e morte, de maneira mais terrível do
que por todas as provas que Deus antes dera da Sua aversão pelo pecado. Além
disso, o castigo futuro e eterno dos ímpios agora é declarado em termos mais
solenes e explícitos do que antes. Sob a nova dispensação há duas revelações
dadas do céu, uma da ira, a outra da graça"(Robert Haldane).
Mais: que a ira de Deus é uma
perfeição divina está demonstrado claramente pelo que lemos nos Salmo 95:11:
"Por isso jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso". Duas
são as ocasiões em que Deus "jura": quando faz promessas (Gn22:16), e
quando faz ameaças(Dt.1:34). Na primeira, jura com misericórdia dos Seus
filhos; na Segunda, jura para aterrorizar os ímpios. Um juramento é feito para
confirmação: Hb.6:16. Em Gn.22:16 disse Deus: "Por mim mesmo, jurei".
No Sl.89:35 ele declara: "Uma vez jurei por minha
santidade". Enquanto que no Sl.95:11 ele afirma: "Jurei na minha
ira". Assim é que o grande Jeová pessoalmente recorre à Sua
"ira" como a uma perfeição igual à sua "santidade": tanto jura por uma como pela outra! Ainda: como em
Cristo "...habita corporalmente toda a
plenitude da divindade"(Cl.2:9),
e como todas as perfeições divinas são notavelmente manifestadas por Ele
(Jo.1:18), por isso lemos sobre "... a
ira do Cordeiro"(Ap.6:16).
A ira de Deus é uma perfeição
do caráter divino sobre a qual precisamos meditar com freqüência. Primeiro, para que os nosso corações
fiquem devidamente impressionados com a ojeriza de Deus pelo pecado. Estamos sempre
inclinados a uma consideração superficial do pecado, a encobrir a sua face maligna e fatal e a desculpá-lo com escusas várias. Mas, quanto mais estudarmos e ponderarmos a
aversão de Deus pelo pecado e a maneira terrível como se vinga dele, mais
probabilidade teremos de compreender quão horrível é o pecado. Segundo, para
produzir em nossas almas um verdadeiro temor de Deus: "... retenhamos a graça,
pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade ("santo
temor"); porque o nosso Deus é fogo consumidor"(Hb.12:28-29). Não
podemos serví-lO "agradavelmente" sem a devida "reverência"
ante a sua tremenda Majestade e sem o devido "santo temor" de Sua
ira, e promoveremos melhor estas coisas trazendo freqüentemente à memória o
fato de que "o nosso Deus é um fogo consumidor".
Terceiro, para induzir nossas almas a fervoroso louvor a Deus por Ter-nos livrado "... da ira futura"(I Ts.1:10).
Terceiro, para induzir nossas almas a fervoroso louvor a Deus por Ter-nos livrado "... da ira futura"(I Ts.1:10).
A nossa prontidão ou a nossa
relutância em meditar na ira de Deus é um teste seguro de até que ponto os
nossos corações reagem à Sua influência. Se não nos regozijamos verdadeiramente
em Deus, pelo que ele é em Si mesmo, e por todas as perfeições que nEle há
eternamente, como poderá permanecer em nós o amor de Deus? Cada um de nós
precisa vigiar o mais possível em oração contra o perigo de criar em nossa
mente uma imagem de Deus segundo o modelo das nossas inclinações pecaminosas.
Desde há muito o Senhor lamentou: "... pensavas que (Eu) era como
tu"(Sl.50:21). Se não nos alegramos "... em memória da sua
santidade"(Sl.97:12), se não nos alegramos por saber que num dia que logo
vem, Deus fará uma demonstração sumamente gloriosa da Sua ira, tomando vingança
em todos os que agora se opõem a Ele, é prova positiva de que os nossos
corações não estão sujeitos a Ele, que ainda, permanecemos em nossos pecados,
rumo às chamas eternas.
"Jubilai, ó nações
(gentios), com o seu povo, porque vingará o sangue dos seus servos, e sobre os
seus adversários fará tornar a vingança..."(Dt.32:43).
E ainda lemos: "E,
depois destas coisas, ouvi no céu como que uma grande voz de grande multidão,
que dizia: Aleluia; Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem ao Senhor
nosso Deus; Porque verdadeiros e justos sãos os seus juízos, pois julgou a
grande prostituta, que havia corrompido a terra com a sua prostituição, e das
mãos dela vingou o sangue dos seus servos. E outra vez disseram:
Aleluia..." (Ap.19:1-3). Grande será o regozijo dos santos naquele dia em
que o Senhor irá vindicar a sua majestade, exercer o Seu domínio formidável,
magnificar a Sua justiça, e derribar os orgulhosos rebeldes que ousaram
desafiá-lO.
"Se tu, Senhor, observares
(imputares) as iniquidades, Senhor quem subsistirá? (Sm. 130:3). Cada um de nós pode bem fazer esta pergunta, pois
está escrito que "...os ímpios não
subsistirão no juízo..." (Sl.1:5).
Quão dolorosamente a alma de Cristo
padeceu ao pensar na ação de Deus observando as iniquidades do Seu povo quando
estas pesaram sobre Ele! Ele "... começou a Ter pavor, e a
angustiar-se"(Mc. 14:33). Sua agonia terrível, Seu suor de sangue, Seu
grande clamor e súplicas (Hb.5:7), Suas reiteradas orações: "Se é possível,
passe de mim este cálice", Seu último e tremendo brado, "Deus meu,
Deus meu, porque me desamparaste?"- tudo manifesta que pavorosas
apreensões Ele teve quanto ao que era para Deus "observar
iniquidades". Bem que nós, pobres pecadores, podemos clamar: Senhor, quem
subsistirá, se o próprio Filho de Deus tremeu tanto sob o peso da Tua ira? Se
tu, meu leitor, ainda não correste em busca do refúgio em Cristo, o único
salvador, "... que farás na enchente do Jordão?"(Jr.12:5).
"Quando considero como a bondade
de Deus sofre abusos da maior parte da humanidade, não posso senão apoiar quem
disse: "O maior milagre do mundo é a paciência e generosidade de Deus para
como mundo ingrato. Se um príncipe tem inimigos metidos numa de suas cidades,
não lhes envia provisões, mas mantém sitiado o local e faz o que pode para
vencê-los pela fome. Mas o grande Deus, que poderia levar todos os Seus
inimigos à destruição num piscar de olhos, tolera-os e se empenha diariamente
para sustentá-los. Aquele que faz o bem aos maus e ingratos, pode muito bem
ordenar-nos que bendigamos os que nos maldizem. Não penseis, porém, que
escapareis assim, pecadores; o moinho de Deus mói devagar, mas mói fino; quanto
mais admirável é agora a Sua paciência e generosidade, mais terrível e
insuportável será a fúria resultante dos abusos feitos à Sua bondade. Nada é
mais brando do que o mar; contudo, quando se agita e forma temporal, nada se
enfurece mais. Nada é tão suave como a paciência e bondade de Deus, e nada tão terrível
como a sua ira quando se inflama" (William Gurnall, 1660).
"Fuja",
pois, meu leitor, fuja para Cristo; fuja "... da ira futura"(Mt.3:7), antes que seja
tarde demais. Nós lhe rogamos com todo o empenho, não pense que esta mensagem
tem em vista outra pessoa. É para você que está lendo! Não fique satisfeito em
pensar que você já fugiu para Cristo. Obtenha certeza disso! Rogue ao Senhor
que sonde o teu coração e te revele o que tu és (pois o erro ou engano, será
fatal e eterno).
Uma palavra aos pregadores: Irmãos, em nossos ministérios temos pregado
sobre este solene assunto tanto como deveríamos? Os profetas do Velho
Testamento muitas vezes diziam aos seus ouvintes que as suas vidas ímpias
provocavam o Santo de Israel, e que estavam entesourando para si mesmos ira
para o dia da ira. E as condições do mundo hoje não são melhores do que eram
então! Nada se presta mais para despertar os indiferentes e fazer com que os
crentes carnais sondem os seus corações, do que alongar-nos sobre o fato de que
Deus "... se ira todos os dias" com os ímpios
(Sl.7:11). O
precursor de Cristo exortava os seus ouvintes a fugirem "... da ira
futura"(Mt.3:7). O
Salvador ordenava a quantos O ouviam:
"Temei aquele que, depois
de matar, tem poder para lançar no inferno, sim, vos digo, a esse
temei"(Lc.12:5). O
apóstolo Paulo dizia: "... sabendo o temor que se deve ao Senhor,
persuadimos os homens..."(2Co.5:11). A fidelidade exige que falemos tão
claramente do inferno como do céu.
Fonte: Arthur Pink, Os Atributos de Deus,
Editora PES.
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