Sermão
pregado pelo Reformador Martinho Lutero, em 11 de junho de 1536
“Havia um homem dos fariseus que se chamava Nicodemos, um principal entre
os judeus. Este veio a Jesus de noite e lhe disse: “Rabi, sabemos que és mestre
vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes se Deus não
estiver com ele. Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo se o
homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”. Nicodemos lhe disse:
“Como pode um homem nascer de novo sendo velho? Pode por acaso entrar uma
segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?”Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em
verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não poderá
entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; o que é nascido do
Espírito é Espírito. Não te maravilhes do que eu te disse: é necessário nascer
de novo. O vento sopra onde quer e se ouve o seu som; mas ninguém sabe de onde
vem e nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.
Perguntou-lhe Nicodemos: “ Como pode acontecer isso?” Respondeu-lhe Jesus: “Tu
és mestre de Israel e não sabe disso? Em verdade, em verdade te digo que
aquilo sabemos falamos, e aquilo que temos visto testificamos, mas vós não
recebeis o nosso testemunho. Se eu vos tenho dito coisas terrenas e não
acreditastes, como acreditareis se eu vos falar das celestiais? Ninguém subiu
ao céu, senão aquele que de lá desceu, o Filho do Homem, que está no céu. E
assim como Moisés levantou a serpente do deserto, é necessário que o filho do
homem seja levantado para que todo aquele que Nele crer, não se perda, mas
tenha vida eterna. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho
unigênito para que todo aquele que Nele crer não se perda, mas tenha vida
eterna”. João 3:1-16
COMO ALCANÇAR A SALVAÇÃO, essa é a pergunta principal da humanidade porque até hoje ainda não entendeu bem o Evangelho.
Escreve
João que Nicodemos veio ao Senhor de
noite e Cristo, lhe pregou um sermão, pois aquele homem piedoso não sabia que fazer: quanto mais ouvia, menos
entendia.
Cristo
a tratou com um homem que, falando nos términos da lei judaica, era uma pessoa
corretíssima e muito instruída. Eisleben Alemanha
Aquele homem quer
discutir sobre aquilo que devemos fazer e como devemos viver para sermos
salvos, e espera que Cristo lhe dê uma resposta. “Porque tu” ele diz, “és
mestre vindo de Deus, pois os sinais que tu fazes vão além da capacidade de
qualquer ser humano. Nós os fariseus ensinamos, no campo do espiritual, a lei
de Moisés. Opinas tu que há algo melhor que possa nos recomendar?” E é essa
pergunta que inquieta aos homens de todas as gerações.
I. O que tenta alcançar a
salvação pelos caminhos das obras, não a alcançará
Já os antigos romanos
meditavam com muita seriedade sobre qual era o caminho reto a seguir, acerca de
como, por exemplo, se devia lidar corretamente com a casa e a família. Seus
interesses se dirigiam diante de toda a exata determinação do que exige a
“justiça”. Mas com isso se meteram em um problema que não tem solução, como
eles mesmos tiveram que admitir: “excesso de justiça, excesso de injustiça.”
Por qual motivo? Porque a “justiça” no sentido estrito da palavra está fora de
nosso alcance. Por isso que se tem que buscar o caminho do meio e adaptar-se às
circunstâncias. Nesse sentido também se costuma dizer: “acertou como os
atiradores quando acertam o alvo”, quer dizer, não graças a sua pontaria, senão
graças a um impacto fortuito. Pois um bom atirador e até um eventual ganhador é
também aquele que chegou mais próximo do alvo. Assim o reconhecem até os
juristas. Tem que se dar por satisfeitos se com seu governo e administração da
coisa pública conseguem que ninguém inflija a outro injustiças muito
grosseiras, ainda quando seja impossível acertar e aplicar rigidamente a
justiça em sua forma pura. Porém quando chega ao poder um desses desorientados,
só causa alvoroço, distúrbios e dissensões.
Assim toda autoridade
secular tem que se ater ao que é possível. Não obstante, a razão gostaria de
elevar a salvação ou a uma ordem política perfeita pela via da injustiça. Porém
tal coisa é impossível. Que fazer então? Quase se diria que acontece como com
aquele que queria subir uma alta montanha e por não poder fazer, exclamou:
“Pois bem, ficarei aqui”. No entanto, Cristo nos diz:
“Se
vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no
reino dos céus” (Mateus 5:20).
Ali
no sermão do monte o Senhor explica qual o verdadeiro cumprimento da lei, e o
que significa acertar o alvo: não se irar, nem mesmo no recôndito do
coração; não cobiçar nem mesmo em pensamentos a mulher ou os bens do nosso
próximo.
Ali se coloca diante dos nossos olhos a justiça mais perfeita. E, apesar de
tudo os homens acreditam poder alcançá-la mediante o cumprimento da lei. “Não
queremos nem pretendemos”, dizem, “acertar exatamente o alvo”; se o conseguem
com certa aproximação, se têm por desculpados. Nós, porém, atentamos para o que
nos ensina Cristo: “Ninguém pode ver o reino de Deus ao
menos que tenha acertado o alvo”. E no Apocalipse
lemos: “Neste tabernáculo não entrará nenhum
imundo”. Que devemos fazer pois? Também exclamaremos: “Temos
que ficar aqui embaixo, não podemos subir a montanha”?
Tampouco Nicodemos sabe
outra coisa que esta: “Eu sou uma pessoa correta, vivo piedosamente conforme a
lei e transito pelo caminho que conduz ao céu”. E agora ele quer que esse
Mestre lhe expresse sua aprovação ou desaprovação – ainda que não gostaria de
pensar nesta última opção, senão espera que o Senhor lhe responda: “Sim, Nicodemos,
és perfeito, e ainda: Já és bem-aventurado e os demais entrariam no reino dos
céus se fizessem como tu”. Porém, ocorre justamente o contrário:
Cristo o bota a correr do reino dos céus:
“Por
certo, és um homem bom. Porém se não nasces de novo, tua justiça não te servirá
de nada.” O “nascer de novo”: esta é a justiça na qual insistimos tanto em
nossa pregação. Ou seja: Cristo não tem a intenção de rechaçar a lei, antes quer
que ela seja cumprida. “Porém”, diz “a forma como vós a
cumpríeis não tem validade. Cumpríeis a lei só em vossa imaginação, mas não na
realidade. Os Dez Mandamentos são perfeitos, e quero que os cumpra. Quem quiser
entrar no céu tem que cumpri-los. Porém, com o vosso conceito do ‘direito’ e
com a vossa justiça, não os estais cumprindo”. Não temos outra justiça melhor do que a que resultaria do meu
cumprimento de tudo o que se manda nas duas tábuas da lei de Moisés. Então
seríamos “justos” – porém só justos conforme a justiça dos fariseus, e não
conforme a justiça exigida pela lei.
II. Só a regeneração nos
torna participantes da salvação eterna
É-nos dito, pois: “lhe é necessário nascer pela segunda vez”. Para Nicodemos isso é chocante. Ele pensa
em outras leis, alem do ponto das leis mosaicas, tais como as que achamos no
papado e no judaísmo farisaico; espera que Cristo estabeleça artigos novos,
leis novas, todo um código novo. Porém, nada disso: Cristo não diz uma palavra
quanto a leis e estatutos novos. “Pois o que
possuis em matéria de leis já é mais do que podeis cumprir. Eu, em troca, os
prego assim: Vós, vós mesmos precisam chegar ser outras pessoas. Eu não falo de
fazer ou não fazer, senão de chegar a ser. Tu tens que chegar a ser outro
homem, tens que nascer de novo. Isso será então a justiça que acerta o alvo, a
justiça sem mancha nem ruga, a justiça que conseguirá entrar no céu”.
Para Nicodemos, ao
ouvir Jesus falar dessa maneira, lhe vem certas duvidas. Essas são palavras
novas para ele. “Entrar eu pela segunda vez no ventre de minha mãe? Tolice!”
Porém a essas tolices Cristo acrescenta outras piores: “não te digo que tenhas de nascer de novo de pai e mãe
humanos, senão da água e do Espírito Santo”. Agora, Nicodemos fica totalmente confundido. “Que
homem e mulher são esses: água e Espírito?” E como se ainda não fosse suficiente,
Cristo lhe pergunta: “Tu és mestre de
Israel e não sabes disso?”, o que soa como zombaria manifesta. E sem dúvida, Cristo tem que falar
assim porque o assunto é totalmente novo para Nicodemos. Para explicá-lo Cristo
recorre a uma ilustração como se quisesse dizer a Nicodemos: “queres que eu
desenhe para que tu entendas? Digo-te porém: se
não podes captar com a razão, capta-a com a fé. Pois se não acreditaste quando
te falei coisas terrenas, como crerás se eu te falasse das coisas espirituais?
Nós falamos o que sabemos, e o que sabemos é a verdade e vós não acreditais
Pois bem: se alguém não quer crer, deixe-se!”
A nossa pregação,
iniciada naquelas condições por Cristo, se apoia exclusivamente na fé. Só com a
fé se pode compreender da “regeneração pela água e pelo Espírito”. O Espírito é
o homem e a água a mulher. O que isso
implica, não o podes medir com a tua razão. Daí o tema que
pregamos seja artigo de boas obras ou de fé. E já os papistas aprenderam algo
de nós ao dizer que com a fé e a graça começa a vida verdadeiramente cristã.
Antes só se falava da missa privada e da invocação dos santos; agora, em troca,
dizem que a fé, efetivamente, salva, porém não só a fé, senão a fé em
cooperação com nossas obras. E essa cooperação, apóiam, é imprescindível. E a
nós criticam duramente afirmando que proibimos as obras e induzimos os
homens à preguiça. Todavia lhes falta bastante para serem tão piedosos e
estarem tão próximos da verdade como Nicodemos. Nós nunca proibimos as boas
obras; mais ainda: se dizemos algo a respeito das boas obras, nossa própria
gente fica logo com raiva, o qual é um claro sinal de que realmente pregamos
sobre esse tema.
Bíblia em alemão
E apesar disso os
papistas seguem blasfemando de nós. Eles ensinam: “as boas obras têm quer vir
com a ajuda da fé – vãs palavras que demonstram que esses mestres não têm noção
do que é fé, boas obras, nascer do Espírito, nascer de Deus. É por isso que é
necessário que estudemos com cuidado o nosso presente texto (João 3:5) e outros
iguais. Aqui se fala de “nascer de novo”, não de “fazer algo
novo”. Primeiro deves plantar uma arvore, e logo terás também os frutos.
Segundo seja boa ou má a arvore, serão também bons ou maus os frutos. O mesmo
ocorre aqui. Nós chamamos um novo nascimento, quer dizer, uma nova maneira de
ser, uma nova pessoa, não somente um novo vestido ou novas obras.
Quando eu era monge, minha vestimenta era distinta e também
minhas obras eram; as sete horas para as orações, a missa, o crisma, o celibato
– todas essas eram outras obras, muito dessemelhantes de minhas obras
anteriores. Porém a simples mudança das obras não é o que vale; que mude a
pessoa, que mudem os pensamentos e o ânimo: esse é o novo nascimento. Portanto
não se pode sobrepor as obras à fé. Em que uma criança contribui para que seja
concebida e venha à luz? Isso é obra dos pais; a criança não faz nada para que
suas perninhas e todos os seus membros cresçam; não é parte ativa nesse
processo de crescimento, senão parte meramente passiva. Qual foi, nesse
sentido, a nossa contribuição? Onde estão as obras cooperantes? Queria saber
então de onde vem essa insistência de que se deve agregar também obras , e logo
obras próprias nossas!
É verdade: a mãe leva
a criatura em suas entranhas e lhe dá o calor materno; no entanto, não é obra
dela que essa criatura se origine. De igual maneira quem pregamos e batizamos
somos nós, no entanto, a palavra e o batismo não são nossos; somente pomos à
disposição nossa boca e nossas mãos. Na realidade a palavra e o batismo são de
Deus, no entanto somos chamados colaboradores de Deus (1 Coríntios 3:9).
Mas
se é verdade que eu sou nascido de novo, como diz Cristo, não tenho que
colaborar com nada, senão que tenho que permanecer quieto e passivo para aquele
que é meu Pai e Criador me faça nascer de novo como filho seu. Nesse sentido o
apostolo Paulo declara que “nós somos uma nova criação, criados em Cristo para
boas obras”. Como se vê, Paulo não se esquece das boas obras, mas as menciona
não por que tenham contribuído em algo, não por que sejam elas que produzem a
nova criação, mas “para que andássemos nelas”.
Se é certo que minhas próprias obras contribuem para
que eu seja uma nova criação, bem posso me gloriar de ser meu próprio Deus;
porque o criar é obra exclusiva de Deus. Se eu colaboro, então Deus não é meu
único Deus, senão que eu também o sou. Por outro lado, se Ele é o único, não o
posso ser eu também, como se afirma muito claramente no Salmo: “Ele nos fez e não nós a nós mesmos; somos seu povo e
ovelhas de seu pasto”. E não obstante, certa gente incorre em tremenda tolice de
sustentar que a fé cria homens novos, mas com a ajuda das obras. Mas precisa de
toda lógica dizer que eu me crio a mim mesmo e sou Deus junto com Deus, de modo
que Ele me tem a seu lado como um Deus adjunto. Assim como eu não me formei a
mim mesmo no corpo de minha mãe, senão que foi Deus quem me formou, valendo-se
dos meus membros e do calor de minha mãe, assim tampouco na regeneração somos
convencidos mediante nossas próprias forças e obras, senão unicamente pelas
mãos e o Espírito de Deus. Em consequência, é ilícito acrescentar obras à fé;
do contrário, não é Deus só o que me cria, senão que eu sou simultaneamente com
ele meu próprio criador. Ao fogo do inferno com um criador que se cria a si
mesmo! A Escritura me chama de uma nova criação de Deus e, não obstante, eu
haveria de atribuir a nova criação a mim mesmo? De esse modo eu seria criação e
criador, obra e obrador em uma mesma pessoa. A toda luz, esses são pensamentos
diabólicos e ensinos de homens cegos. Devemos observar estritamente ao que aqui
nos ensina o evangelista São João. Também Paulo nos chama “novas criaturas”. Da
mesma maneira, pois, como não contribuo para meu nascimento corporal e pela
minha concepção, senão que sou parte meramente passiva e ‘me faço’ gerar e
criar, da mesma maneira tampouco as obras contribuem em nada para que o homem
seja regenerado. Se não for assim, Deus já não será apenas Deus, senão que nós
seremos Deus junto com Ele e seremos nossos próprios progenitores. Mas quando a
criatura já está gerada, e quando a criancinha já está formada no seio materno
com todos seus membros, a mãe diz: “Sinto que o nenezinho faz as obras que em
seu estado pode fazer”. Porem, só o já criado dá esses sinais de sua existência,
e só quando foi dado à luz move seus membros, e fica com vida, aprende a
caminhar e a cantar. Mas se não tivesse sido criada previamente, agora não se
moveria.
III. O regenerado se manifesta
como crente mediante a prática de boas obras.
Nossa pregação quanto à
nova criação é, pois, uma vez que fomos regenerados, devemos andar em boas
obras. Nesse sentido fazemos algo: pregamos; aqueles, todavia, que são
convertidos não fazem nada para chegar a sê-lo, já que somos criação e obra de
Deus, “criados para que andássemos em boas obras” (Efésios 2:10). Essas
palavras nos falam com inteira claridade. A semelhança com uma criatura humana
é evidente. A criatura deve se separar do corpo materno; antes de estar
completamente formada, não contribui em nada para esse fato. Por que Deus a
beneficiou de membros? Para se mover; uma vez nascida deve caminhar, ficar de
pé, comer, beber, trabalhar, mandar, pois para isso nasceu. Se não fizesse
nada, seria um tronco ou uma pedra. Porém deve fazer algo, para isso foi
criada. A isso se refere Cristo quando disse ao fariseu Nicodemos: “Todos vós
quereis ser vossos próprios criadores. Possuíeis a lei de Moisés e esforçai-vos
para cumpri-la. Porem não obtereis êxito, uma vez que ainda não nascestes de
novo; não possuíeis o Espírito Santo. Por conseguinte todas as vossas obras são
obras do velho homem. Podeis, por exemplo, construir uma casa ou fabricar um
sapato, porém tais obras não têm nada haver com o céu. Não são obras que
conferem justiça a quem as faz. Também os gentios são capazes de fazê-las.
Ademais trazeis oferendas, circuncidais a vossos filhos, usais as vestiduras
sagradas – também isso está ao alcance de qualquer pagão. Por isso digo
que são obras do homem velho, nascido uma só vez, a saber, do seio de sua mãe.
Mas se quereis fazer obras que sejam de valor diante de Deus e que tragam
proveito ao próximo, precisais nascer de novo. Vós por sua vez acreditam que o
fazer obras que exteriormente parecem ser boas já está assegurada a vossa
entrada no céu, ainda mesmo o coração não se achando no estado devido. Porem
não façais as coisas ao contrário, não comeceis pelas obras!”
Lutero diante das autoridades
Também os papistas são da opinião de que se pode merecer o céu com suas obras que acompanham a graça. É um engano. As boas obras não podem ajudar de nenhuma forma, nem como obras que precedem a graça, nem como obras que lhe correm paralelas, nem tampouco como obras que seguem a graça, senão que tudo tem que proceder do Espírito Santo e da água. “No lugar de pai e mãe vos darei água e o Espírito Santo”, reza a pregação de Cristo. Onde isso é assim, posso dizer: “minhas próprias obras não me criaram, nem me geraram como nova criação, nem tampouco poderão fazê-lo, posto que fui criado e gerado da água e do Espírito”. Também resulta agora fácil provar e julgar os espíritos fanáticos. Pois o que nasceu, o que já foi feito e criado, não tem necessidade de ser feito e criado. Como podem dizer então que as obras subsequentes à graça me geram e me criam? Fazer boas obras é necessário; correto – porém não para chegar a ser por meio delas uma nova criação. Portanto há de se diferenciar entre fé e obras; assim, aqui o Senhor nos ensina. As obras feitas antes da fé são condenadas como pecado. Em contrapartida, as obras feitas por quem já tem fé são obras preciosas e boas. Todavia, tampouco essas servem para nos converter em homens justos, senão para louvar e glorificar a nosso Pai que está nos céus (Mateus 5:16) e para causar alegria aos anjos. Pois quem por meio de boas obras e de uma pregação frutífera honra ao Pai, receberá também dele a recompensa correspondente. Se não andas em boas obras, tampouco nasceu ainda para elas (Efésios 2:10).
Onde se ensina e se
vive dessa maneira, a verdade aqui ensinada por Cristo permanece vigente em
toda a pureza. Cristo diz que temos que nascer, Paulo reforça que temos que ser
criados por Deus. Falando em termos de comparação com uma criatura: a criatura
não se gera nem se faz nascer a si mesma, senão que depois de ser criada pode
fazer obras. Analogamente, a árvore frutífera depois de plantada dá frutos. Não
se diz: “Se não tiver peras na árvore, essa não é uma árvore”, senão o inverso.
Por isso cresce a pereira, para que dê peras, para glória e louvor de Deus o
Criador, e para que nós as comamos. Assim, a obra de Deus é a que precede, e a nossa
obra é a que segue. Igualmente: se não existisse ferreiro, não existiria
machado, pois para que machado corte, previamente precisa ser fabricado. Só um
perfeito idiota poderia dizer: “Faz-me um machado que colabore na sua
fabricação, de maneira que mediante seu despedaçar e cortar se transforme em
machado”. Primeiro se fabrica o machado, e só então se pode empregá-lo nos
trabalhos aos quais a ele se destinam.
Sobre esse tema se
discute de modo por demais obstinado desde os primórdios da humanidade. E esse
é o nosso ensino no qual insistimos com toda energia, afim de que conserve o
lugar correspondente na igreja e para evitar que penetrem nela pessoas que
atribuem um efeito também às obras precedentes ou concomitantes. Primeiro deve
estar a criação, o nascimento: logo pode seguir a obra. Nicodemos não pode
compreender isso porque ele vive na crença equivocada de que obterá êxito para
entrar no céu graças as suas obras precedentes. Cristo se opõe a ele com um
sonoro NÃO: “o que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Todos
aqueles que ensinam algo que contrarie esse artigo são falsos mestres. Nós,
todavia, cremos e damos graças a Deus pelo fato de que ao fim foi trago a luz e
posto ao conhecimento de todos qual é o verdadeiro caminho da vida: “Faz com
que eu seja regenerado sem a colaboração de nenhuma obra minha, mas apenas pela
palavra e pela fé”. Se tal é o caso, sou filho de Deus, tenho livre acesso a
casa de meu Pai, e tudo quanto faço é bom e aceito diante de seus olhos. Se meu
pé escorrega, Ele me castiga. Se eu sou uma arvore boa, levo frutos bons.
Se a árvore é tomada por vermes nocivos, o Pai os extermina. Se eu sou um bom
machado, sirvo para cortar; se no machado se produz uma falha, também esse mal
poderá ser sanado pelo Pai. Por isso vós os fariseus estais muito distantes do
alvo com vossas obras precedentes; porque dessas resulta não mais que uma
justiça válida diante dos olhos do mundo e para ela vale o que acabo de dizer
quanto ao atirador. A justiça proveniente da fé acerta o alvo: aponta ao centro
mesmo e penetra até a vida eterna – não por nossos próprios meios, senão em
união com aquele que é o Mediador, do qual se fala na parte final do evangelho
(João 3:14 e similares). Fomos criados por Ele e somos recriados por Ele; por
meio Dele somos uma criação perfeita, apesar de ainda não estarmos livres de
faltas e debilidades.
Isso se chama falar de
forma cristã sobre a regeneração, da qual os papistas, os turcos e os judeus
não têm o menor conhecimento. Estou seguro, portanto, que no Concílio[1] dos
papistas rejeitarão esse artigo, já que a norma deles é julgar a obra de Deus
segundo eles mesmos a entendem. Cristo, porém, sustenta invariavelmente: “O
que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”.
É preciso, pois, deixar de lado os pensamentos próprios, a sabedoria própria,
as opiniões próprias e ouvir somente a palavra por meio da qual é criado em ti
um coração novo sem a tua contribuição, como o novo ser no corpo da mãe. Este
texto soluciona a questão que se vem debatendo no mundo inteiro sobre como é
possível uma vida bem-aventurada e feliz. Não há outro meio que a justiça
efetuada pela regeneração não atinja o alvo.
Martinho
Lutero
Nenhum comentário:
Postar um comentário
SE VOCÊ LEMBRA DE ALGUM HERÓI DA FÉ QUE NÃO FOI MENCIONADO, POR FAVOR MANDE UM E-MAIL PARA Gelsonlara@sbcglobal.net