Livre da escravidão das opiniões humanas
A W Tozer
A justiça própria é
uma efetiva barreira para o favor de Deus porque lança de volta o pecador aos
seus próprios méritos e o priva da justiça de Cristo imputada. E ser um pecador
confesso e conscientemente perdido é necessário para o
ato de receber a salvação por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. Isto
jubilosamente admitimos e constantemente afirmamos, mas eis aqui a verdade que
tem sido negligenciada em nossos dias:
Um
pecador não pode entrar no reino de Deus.
As passagens bíblicas
que declaram isto são demasiado numerosas e demasiado conhecidas para que seja
necessário repeti-las aqui, mas o cético poderia examinar Gálatas 5.19-21
e Apocalipse 21.8. Como, então, pode alguém ser salvo? O pecador penitente
encontra-se com Cristo e depois desse encontro salvador, não é mais pecador. O
poder do Evangelho o transforma, muda a base da sua vida do ego para Cristo,
faz com que ele dê meia-volta e tome nova direção, e faz dele uma nova criação.
O estado moral do penitente quando vem a Cristo não afeta o resultado, pois a obra
de Cristo varre dele tanto o que tem de bom como o que tem de mau, e o
transforma noutro homem. O
pecador que volta não é salvo por alguma transação judicial sem uma
correspondente mudança moral.
A salvação tem que incluir uma mudança judicial de estado, mas o que é passado por alto
por muitos mestres é que ela inclui também uma
real mudança na vida do indivíduo. E
com isso queremos dizer mais do que uma mudança de superfície; queremos dizer
uma transformação tão profunda quanto as raízes da vida humana. Se não chega a essa
profundidade, não chegou a suficiente profundidade. Se não tivéssemos sofrido
primeiro um sério declínio em nossas expectativas, não teríamos aceitado essa
insípida e técnica concepção da fé.
As igrejas (mesmo as
conservadoras) são mundanas no espírito, moralmente anêmicas, vivem na defensiva, imitando
em vez de tomar iniciativas, e numa condição miserável, em geral porque durante
duas gerações completas lhes têm dito que a justificação não é nada mais que um
veredito de "não culpado" pronunciado pelo Pai Celeste sobre um
pecador que pode apresentar a mágica moeda fé com o maravilhoso
"abre-te sésamo" gravado nela. Se a afirmação não é tão contundente
assim, ao menos a mensagem é defendida de modo tal que chega a causar essa
impressão. A coisa toda resulta de ouvir a Palavra sem poder e de recebê-la do
mesmo modo.Ora, a fé é na verdade o abre-te sésamo da bem-aventurança eterna.
Sem fé é impossível agradar a Deus, e nenhum homem pode salvar-se sem fé no
Salvador ressurreto. Mas a verdadeira qualidade da fé é quase universalmente
omitida, a saber, a sua qualidade moral.
A fé é mais que
mera confiança na veracidade de uma afirmação feita na Escritura Sagrada. Ela é uma coisa
altamente moral e de essência espiritual. Invariavelmente efetua transformação radical na
vida de quem a exerce. Muda a visão interior, do ego para Deus. Introduz o seu
possuidor na vida do céu estando ele na terra. Não é meu desejo diminuir o
efeito justificador da fé. Nenhum homem que conheça as profundezas da sua
própria iniqüidade ousaria comparecer perante a inefável Presença sem nada para
recomendá-lo senão o seu próprio caráter, tampouco cristão algum, sábio após a
disciplina dos fracassos e das imperfeições, quereria que a sua aceitação da
parte de Deus dependesse de algum grau de santidade que ele pudesse ter atingido
mediante as operações da graça interior.
Todo os que
conhecem os seus próprios corações e as provisões do Evangelho se unirão na
oração do homem de Deus: Quando ao som da trombeta Ele chegar,Oxalá nele eu
seja visto;Da Sua justiça apenas revestido,Sem culpa diante do seu trono estar!
Uma coisa angustiante é que uma verdade tão bela tenha sido tão pervertida. Mas
a perversão é o preço que pagamos por deixar de dar ênfase ao conteúdo moral
da verdade; é a maldição que acompanha a ortodoxia racional quando apaga
ou rejeita o Espírito da Verdade. Ao afirmar que a fé no Evangelho efetua
uma mudança da força motriz da vida, do ego para Deus, estou apenas afirmando
os fatos puros e simples. Todo homem dotado de entendimento moral
necessariamente tem consciência do flagelo que o aflige interiormente;
necessariamente está cônscio daquilo a que chamamos ego, a que a Bíblia chama
carne (ser pessoal,
natureza humana), mas, seja qual for o nome que se lhe dê, um senhor cruel e um
inimigo mortal.
Jamais o Faraó
dominou tão tiranicamente Israel como este inimigo oculto domina os filhos e filhas dos homens. As palavras de Deus a Moisés concernentes a Israel no
cativeiro bem podem descrever-nos a todos:"Certamente vi a aflição do meu
povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causados seus exatores.
Conheço-lhe o sofrimento". E quando, como com tanta ternura afirma o Credo
Niceno, nosso Senhor Jesus Cristo "por nós homens e por nossa salvação,
desceu dos céus, foi feito carne do Espírito Santo e da Virgem Maria, e
tornou-se homem, e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e
ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se
à direita do Pai", para que o fez?
-Para que nos
pronunciasse tecnicamente livres e nos deixasse em nossa escravidão?
Nunca. Deus não
disse a Moisés, "... desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios, e para
fazê-lo subir daquela terra e uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel... Chega-te a Faraó, e dize-lhe: Assim
diz o Senhor:Deixa ir o meu povo..."? Para os seres humanos cativos do
pecado Deus jamais tenciona menos que plena libertação. A mensagem cristã
retamente entendida significa isto: O Deus que pela palavra do Evangelho proclama livres os homens,
pelo poder do Evangelho de fato os faz livres . Aceitar menos que isso é conhecer o Evangelho
somente em palavra,sem o seu poder. Aqueles a quem a Palavra vem em poder experimentam
este livramento,
esta migração interior da alma, da escravidão para a liberdade, esta libertação
do cativeiro moral. Conhecem por experiência uma radical mudança de posição,
uma real travessia, e conscientemente se firmam noutro solo, sob outro céu, e
respiram outro ar. Mudam-se os motivos da sua vida e se renovam os seus
impulsos internos.
Que são esses
velhos impulsos que outrora impunham a obediência com a ponta do chicote?
-Que são eles,
senão pequenos mestres de obras, servos do grande mestre de obras, oEgo,
os quais se põem diante dele e fazem a sua vontade?
Mencioná-los todos requereria
um livro só para isso, mas gostaríamos de indicar um deles como tipo ou exemplo
dos demais. É o desejo de aprovação social. Isto não é mau em si mesmo, e poderia
ser perfeitamente inocente se estivéssemos vivendo num mundo sem pecado, mas
desde que a raça humana apartou-se de Deus, caiu, e se juntou aos Seus
inimigos, ser amigo do mundo é ser colaborador do mal e inimigo de Deus. Todavia, o desejo
de agradar os homens está por trás de todos os atos sociais, desde as mais
altas civilizações até os mais baixos níveis em que se acha a vida humana.
Ninguém pode escapar disso. O fora da lei que burla as regras da sociedade e ao
filósofo que se eleva em pensamento acima do comum, parecem ter evitado a
armadilha, mas na realidade apenas estreitaram o círculo daqueles a quem eles
desejam agradar. O fora da lei tem os seus comparsas diante dos quais procura brilhar; o filósofo, o seu grupo de
pensadores superiores cuja aprovação é necessária para a sua felicidade. Para
ambos, a raiz dos motivos permanece intacta. Cada um deles aufere sua paz da
idéia de que goza a estima dos seus companheiros, conquanto cada qual
interprete à sua maneira toda a questão. Cada ser humano olha para os seus
companheiros humanos porque não tem ninguém para quem olhar. Davi podia dizer:
"Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na
terra", mas
os filhos deste mundo não têm Deus, só têm uns aos outros, e andam apegando-se
uns aos outros e procurando uns aos outros para se sentirem seguros, como
crianças apavoradas.
Mas sua esperança lhes falhará, pois são como um grupo de homens dos quais nenhum sabe manejar um avião em vôo e que, de
repente, se vêem nos ares sem piloto, cada qual esperando que os outros os
levem a salvo ao solo. A
sua confiança desesperada, mas equivocada, não os pode salvar da destruição que
certamente lhes sobrevirá.
Com este desejo de
agradar os homens tão profundamente implantado dentro de nós, como podemos
desarraigá-lo e mudar o nosso impulso vital para agradar a Deus,em vez de
agradar os homens?
Bem, ninguém pode
fazê-lo sozinho, nem com a ajuda doutras pessoas, nem por meio da educação ou
de exercícios, nem por qualquer outro método conhecido debaixo do Sol. O que se requer é
uma inversão da natureza (que,por ser uma natureza decaída, não é menos
poderosa), e esta inversão tem que ser um ato sobrenatural. Esse ato o Espírito
executa mediante o poder do Evangelho quando recebido com fé viva. Então Ele
remove a velha natureza e instaura a nova. Então Ele invade a vida como a luz
do Sol invade uma paisagem e expulsa os velhos motivos como a luz expulsa a
escuridão do firmamento.O modo como age na experiência é mais ou menos assim: O
homem que crê é subitamente dominado por uma vigorosa sensação de que só Deus
importa ;
logo isto passa a agir em sua vida mental e condiciona todos os seus juízos e
todos os seus valores.
Agora ele se vê
livre da escravidão das opiniões humanas. Um forte desejo de agradar somente a Deus toma
posse dele. Logo aprende a querer acima de tudo mais a certeza de que está sendo
agradável ao Pai celestial. É
esta mudança completa em sua fonte de prazer que torna invencíveis os homens de
fé. Assim
os santos e mártires puderam ficar sós, abandonados por todos os amigos
terrenais, e morrer por Cristo debaixo do aborrecimento universal da humanidade.
Quando, para intimidá-lo, os juízes de Atanásio o advertiram de que o mundo
inteiro estava contra ele, Atanásio ousou replicar: "Então é
Atanásio contra o mundo!" Esse
brado cruzou os séculos e hoje pode fazer-nos lembrar que o Evangelho tem
poder para livrar os homens da tirania da aprovação social e os torna livres
para fazerem a vontade de Deus.Isolei
este único inimigo para consideração, mas este é somente um, e existem muitos
outros. Eles parecem existir por si mesmos e ter existência separada uns dos outros,
mas é só aparência. Na verdade são apenas ramos da mesma vinha venenosa, desenvolvendo-se
da mesma raiz má, e morrem juntos quando morre a raiz. Essa raiz é o ego,
e a Cruz é seu único destruidor capaz.
A mensagem do
Evangelho é, pois, a mensagem de uma nova criação em meio a uma antiga, a
mensagem da invasão da nossa natureza humana feita pela vida eterna de Deus e a
substituição da velha natureza pela nova. A nova vida captura a natureza do homem
de fé e se dedica à sua benévola conquista, conquista que não é completa enquanto
a vida invasora não tiver tomado posse total e não tiver emergido uma nova criatura.
E este é um ato de Deus, sem ajuda humana, pois é um milagre moral e uma ressurreição
espiritual.
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