MISSÕES - PORQUE O BRASIL NÃO DECOLOU ?
1- Cultura individualista
Existe um adágio brasileiro bastante conhecido que diz: “Cada um por si e Deus
por todos”. Este ditado popular revela uma realidade da situação do país,
mostrando que cada um quer fazer suas próprias coisas e tem uma grande dificuldade
para realizar um trabalho em equipe.
Isso pode ser fonte de problemas, pois infelizmente há pouca unidade no
movimento missionário brasileiro e muito se deve a essa cultura individualista.
As organizações missionárias poderiam
unir os esforços e fazer muitas atividades juntas. Um bom exemplo é que por
mais de dois anos fala-se em produzir uma revista que una todas as agências
missionárias do país. O custo seria menor e conseguiríamos uma expressão maior
para as necessidades missionárias. As missões que já possuem algum tipo de
publicação não conseguem aumentar a tiragem, e acabam produzindo uma tiragem
pequena que aumenta os custos. O resultado é que a falta de unidade acaba sendo
um grande impedimento para a popularização do material de missões, pois as
organizações missionárias e igrejas não trabalham juntas para um objetivo
comum.
As diferenças denominacionais,
principalmente as diferenças existentes entre a forma de trabalhar dos chamados
“pentecostais”, “renovados” e “tradicionais”, comprometem o trabalho
missionário brasileiro. Se de um lado os membros de igrejas pentecostais
valorizam pouco a necessidade de treinamento transcultural e o trabalho de
longo prazo, como a tradução da Bíblia para povos não alcançados, por outro
lado, os chamados “tradicionais” dão pouca importância a questões como oração e
batalha espiritual. Seria maravilhoso se ambos unissem as forças e fizessem um
trabalho conjunto para alcançar todas as tribos brasileiras e as regiões do
mundo que ainda não têm testemunho efetivo do evangelho.
2 - Cultura Nacionalista ou
Etnocentrista
Várias missões latinas têm se
vangloriado de ser totalmente nativas. O pensamento brasileiro, incentivado por
norte-americanos e europeus é que esta é “a hora do Brasil”. Alguns chegam ao cúmulo
de dizer que a hora da América do Norte e Europa já passou. Isso reflete um
orgulho ufanista e totalmente descabido. Seria mais sensato pensar que esta é a
hora da Igreja como um todo. Precisamos unir as forças do hemisfério Norte e
Sul para terminarmos a tarefa da evangelização mundial. A Grande Comissão não
foi entregue a uma nação ou continente específicos, mas à Igreja toda, e deve
ser estabelecida na face de todo o planeta.
O mundo só vai crer quando formos um.
Estas palavras foram pronunciadas na oração sacerdotal de nosso Senhor Jesus
Cristo. Creio que esta oração vai ser respondida, mas espero que isso ocorra
ainda em nossa geração. O pesquisador Daniel Rickett afirma que nenhuma missão
ou igreja pode sobreviver sozinha neste novo milênio. Para as mega-missões,
mega-igrejas e as organizações cristãs que ainda estão nascendo, as parcerias
interculturais tornaram-se um elemento vital para o sucesso ministerial,
principalmente para alcançar regiões “fechadas”, como China, Índia, Norte da
África e Oriente Médio. Creio que, mais do que nunca, a força missionária para
a evangelização mundial não está apenas nas mãos da Igreja do chamado “mundo
dos dois terços”, que inclui África, Ásia e América Latina, mas sim no conjunto
total, ou seja, contando com a parceria da igreja do Norte.
3 – Falta de projetos dentro da
realidade brasileira
O pesquisador e especialista em
estatística George Barna diz que o mundo mudou e que quem não mudar, morrerá.
Lembro também de um provérbio africano que diz: “Os cachorros de ontem não
caçam os coelhos de hoje”. A lição mais importante que aprendemos com essas
declarações é que os métodos do passado não servem para os dias de hoje. Isso
também é verdade em relação aos métodos, estratégias, fórmulas e logística da
Igreja do hemisfério Norte, que não servem para o hemisfério Sul.
A Bíblia também ensina uma lição
semelhante quando relata a indignação do jovem Davi ao ver o gigante Golias
desafiando o povo de Israel. O desafio do guerreiro filisteu chegou ao
conhecimento do rei Saul e do exército israelense. A primeira providência do
rei foi colocar sua armadura pesada no jovem Davi. Isso simboliza a imposição
de paradigmas dos poderosos e do uso de métodos pré-estabelecidos. Davi colocou
a armadura imediatamente, mas percebeu que era muito pesada e desconfortável
para ele. O jovem pastor israelense estava acostumado a lutar e não tinha
problemas de auto-estima, por isso disse: “Não posso andar com isto, pois não
estou acostumado a fazer as coisas deste modo”. Davi enfrentou o gigante sem
usar as armas convencionais do rei Saul e mesmo assim alcançou uma grande
vitória, livrando o povo de Israel do exército inimigo ou de uma grande
vergonha.
As Escrituras também mostram Davi
usando a espada de Golias para cortar a cabeça do gigante. Posteriormente ele
voltou a usar a mesma espada em algumas de suas batalhas. A experiência que
adquiriu nas guerras fez dele um dos maiores especialistas em batalhas da
história de Israel e ele chegou a treinar um dos melhores exércitos que seu
povo conheceu.
Em resumo, o modelo bíblico indica que
para iniciar um ministério não é preciso usar tantos aparatos, mas a
necessidade de uso destes vem com o passar do tempo. As organizações baseadas
no hemisfério Norte só enviam seus candidatos com o valor total ideal para irem
ao campo. Hoje os missionários latinos podem viver bem com cerca de um quinto
do sustento requerido pelos missionários vindos do hemisfério Norte.
4 – A barreira do idioma
Esta é uma grande desvantagem para a
Igreja brasileira, que hoje é a terceira maior igreja do mundo em número de
membros, atrás somente dos Estados Unidos e China. Poucos líderes nacionais
falam inglês fluentemente para se comunicar com líderes internacionais. Em
parte, esse é um dos motivos que impede o surgimento de parcerias
internacionais mais eficazes, algo vital para o projeto missionário
transcultural de levar o evangelho aos povos não alcançados. Por falta de
preparo adequado e da fluência em outras línguas, o grande potencial dos
missionários brasileiros acaba não encontrando liberdade suficiente para se
desenvolver e cumprir o propósito eterno de realizar as boas obras reservadas
de antemão a cada um de nós.
Hoje em dia existem cerca de 3.000
brasileiros trabalhando em tempo integral como missionários transculturais. Na
média, existe um missionário para mais de 150 mil evangélicos do país. Enquanto
isso, a Igreja Indiana, que é muito menor e possui menos recursos financeiros,
conta com mais de 27.000 missionários transculturais, nove vezes mais que o
Brasil.
Deve-se considerar ainda a situação
daquela nação, que tem o grande desafio de alcançar os diversos povos e línguas
que vivem em seu próprio território, principalmente no norte do país. São mais
de 600.000 vilas e cidades, das quais apenas 100.000 possuem ao menos um
obreiro cristão. Uma das vantagens nas parcerias feitas pelas missões indianas
é que, por causa da colonização inglesa, a grande maioria dos líderes cristãos
fala inglês. Além disso, a maioria dos missionários indianos que deseja
trabalhar com etnias não alcançadas pode permanecer em sua própria nação.
Porém, a lingual geral (inglês) continua sendo um benefício inegável para
aqueles irmãos.
O sistema educacional da América Latina
não contribui para um bom aprendizado da língua inglesa nas escolas. Muitas
vezes o missionário é mal compreendido quando diz que precisa de recursos para
estudar inglês fora do país, o que acelera o aprendizado. É preciso mudar essa
ideia equivocada de que o missionário não pode considerar o aprendizado do
inglês como parte da sua preparação para a obra missionária.
5 - Cultura Egoísta
Infelizmente, a cultura predominante na
liderança evangélica brasileira é egoísta. Somente pensam nos que estão
próximos e nas necessidades de suas própria igrejas e/ou denominações.
Pesquisas indicam que somente o vergonhoso índice de 1% dos recursos da Igreja
no mundo é investido em missões transculturais aos não alcançados. Contra fatos
não há argumentos.
Esta realidade é perpetuada na igreja
brasileira. As igrejas pentecostais e renovadas, embora sejam conhecidas pelo
seu zelo evangelístico, são as que menos contribuem para alcançar pessoas fora
do Brasil. A média de contribuição individual para missões transculturais é de
apenas R$ 1,30 por ano. Ou seja, cada evangélico brasileiro contribui com menos
de um dólar.
O Brasil não é um país tão pobre quanto
se pensa. Trata-se de uma das 10 maiores economias do mundo. O problema é uma
grande discrepância na distribuição da renda nacional. Merece atenção o fato de
que a maioria das igrejas que apóia a obra missionária é pequena. A
discrepância na distribuição de renda é refletida nas grandes igrejas, que
dividem muito mal a sua arrecadação quando se trata de missões. Centenas de
igrejas grandes não têm um programa de investimento mensal na obra missionária,
estando mais preocupadas com novas construções e o conforto apenas de seus
membros. Para ajudar na avaliação de nível de comprometimento, elaboramos uma
escala para medir o envolvimento de uma igreja com missões transculturais. Essa
escala não se baseia em valores absolutos, mas sim na proporção do investimento
em missões comparado ao total de arrecadação mensal. Com ela pretendemos
identificar a distribuição de renda dentro das igrejas brasileiras. O patamar
mais baixo é o das igrejas omissas (que investem de 0 a 4% de suas entradas em
missões transculturais); o seguinte é o das igrejas passivas (com investimento
de 5 a 9%); em seguida vêm as igrejas interessadas (que contribuem com 10 a
19%); chegando até a categoria de envolvidas (20 a 29%). A partir daí, pode-se
atingir níveis mais positivos: ser amiga de missões (contribuindo com 30 a 39%
de seus recursos), apaixonada por missões (investimento de 40 a 49%),
culminando com as verdadeiramente comprometidas com missões (que investem mais
de 50%). Até agora só encontramos somente duas igrejas que se enquadrariam
nesse último nível. Para os que criticam a necessidade de finanças vindas de
fora do país, é bom lembrar que a maioria das igrejas pesquisadas não poderia
ser chamada nem mesmo de envolvida com missões.
6 – Medo desmedido da igreja do Norte
As organizações missionárias do
hemisfério Norte demonstram um medo desmedido de associar-se com as
organizações do Sul. O argumento usado é que se trata de paternalismo. O
canadense Oswald Smith percebeu isso e chegou a dizer que: “O nacionalismo se
manifesta em quase todos os países, e está dificultando crescentemente a obra
missionária. O seu lema é: África para os africanos, Índia para os indianos, e
China para os chineses”. Alguns missiólogos baseiam-se em investimentos mal
feitos no passado para argumentar que não se deve enviar recursos a nações
pobres. Isso vai contra o relato bíblico.
O apóstolo Paulo não era natural da
Antioquia, foi para lá a convite de Barnabé e recebeu parte do seu sustento de
Filipos. Ele menciona isto de uma maneira especial, dizendo que Filipos foi a
única igreja que investiu no seu ministério após ter saído para a Macedônia.
Quando penso nisto, vejo a lição
extraordinária que os líderes muçulmanos estão nos dando. Eles enviam obreiros
avançados de diversas nações, inclusive de países pobres, que são financiados
por países muçulmanos ricos, como Arábia Saudita, Líbia, Catar, Emirados Árabes
Unidos e outros.
Podemos imaginar um exemplo baseado no
que eles estão fazendo. Levantar 4.500 equipes multinacionais com pessoas do
hemisfério Sul (que tem abundância de obreiros interessados) e treiná-las para
a tradução da Bíblia nas línguas faltantes. Estas equipes seriam compostas de
tradutores, alfabetizadores, evangelistas e enfermeiros financiados
majoritariamente por nações ricas. Este trabalho seria feito através de uma
parceria em que cada país contribuiria proporcionalmente com o salário mínimo
vigente em território nacional. Isto seria uma revolução que ajudaria a
concluir uma das tarefas mais difíceis da obra hoje, que é a tradução da Bíblia
para todas as línguas. Se algo parecido não for feito urgentemente, o alvo
proposto pela Visão 2025, de ter um tradutor da Bíblia em cada língua até o ano
2025 será apenas mais um sonho lindo das organizações missionárias.
Creio que já chegou a hora de
superarmos os modelos vigentes e nossos medos, pois a Igreja do Senhor é feita
de muitas partes. Deus distribui dons especiais para a edificação do corpo. A
natureza da Igreja é que cada parte distinta deve fazer o seu trabalho de
maneira única. Portanto, para que ocorra a expansão da Igreja precisamos de
mais obreiros, mais oração, mais contribuições financeiras e mais cuidado
pastoral realizados em parceria. Somente assim faremos com que a dinâmica do
reino se estabeleça. Um bom livro que aborda essa maneira de trabalhar
conjuntamente foi escrito por Daniel Rickett e tem o sugestivo título “Building
Strategic Relationships – A Practical Guide to Partnering With Non-Westerner
Missions” (Construindo Relacionamentos Estratégicos – Um guia prático para as
parcerias com as missões não ocidentais). Infelizmente não dispomos desse
material em português, mas ele traz contribuições valiosas, segundo a
perspectiva de um membro da Igreja do hemisfério Norte.
K. P. Yohannan, um líder de missões
indiano que mora nos Estados Unidos, faz algumas observações importantes sobre
essa questão:
Cristãos norte-americanos sozinhos, sem
muito sacrifício, podem suprir financeiramente todas as necessidades das
igrejas no terceiro mundo. Por que nós não podemos gastar pelo menos um décimo
do que usamos para nós mesmos na causa da evangelização mundial? Se as Igrejas
dos Estados Unidos sozinhas tivessem feito este comprometimento em 1986,
haveria 4.8 bilhões de dólares disponíveis para a evangelização mundial. Se a
abundância dos americanos me influenciou, a abundância dos cristãos me
influenciou mais ainda! Nos Estados Unidos existem 5.000 livrarias evangélicas
que vendem artigos religiosos que ultrapassam minha capacidade de imaginação.
Tudo isso enquanto mais de 4.000 das 7.148 línguas do mundo ainda estão sem uma
única porção da Bíblia na sua própria língua. 80% das pessoas do mundo nunca
possuíram uma Bíblia, enquanto os americanos têm em média quatro Bíblias por
residência.
Se a igreja do Senhor que está no Norte
não fizer a sua parte neste processo de parceria, estará omitindo os dons que o
Senhor lhe tem dado para contribuir para a expansão do Reino.
Spencer Johnson, autor do best-seller
Quem Mexeu No Meu Queijo?, enfatiza a necessidade de mudança de paradigmas em
várias áreas da vida. Ele reforça a afirmação categórica do pesquisador cristão
George Barna: “Quem não mudar, morrerá”. Vemos a necessidade de mudança de
pensamento da Igreja do hemisfério Norte em relação a parcerias com a igreja do
Sul, principalmente com as igrejas do Brasil e América Latina. O fato de
brasileiros receberem apoio financeiro não os torna dependentes de um país, mas
sim da providência de Deus, concretizada pela sua Igreja espalhada pela Terra.
Poderia citar como exemplo, entre
vários na América Latina, um casal que investiu dez anos de sua vida no preparo
para se tornar tradutor da Bíblia. Eles foram aprovados por sua denominação
para ser missionários, mas o maior desafio que têm enfrentado é levantar o
sustento integral. Chegaram a pensar que desenvolvendo um ministério local
facilmente teriam o sustento depois de algum tempo, o que não aconteceu. No
entanto, o ministério vital a que eles se propuseram continua com falta de
obreiros única e exclusivamente por não termos estrategistas na área de missões
que apresentem propostas concretas para uma mudança de atitude. Se houvesse uma
parceria com a Igreja do Norte, exemplos como estes deixariam de existir e a
força missionária aos não-alcançados poderia ser multiplicada facilmente em
mais de 100 vezes.
Edison Queiroz, um experiente pastor e
mobilizador de missões transculturais, que pastoreou a 1ª Igreja Batista em
Santo André – SP (que foi um modelo em missões nos anos 80), baseado em sua
experiência nos EUA, nos traz as seguintes observações:
1. A Igreja Americana está muito
voltada para si mesma. Há um movimento de formar mega-igrejas, onde os
ministérios são voltados e especializados para as pessoas que vivem ao redor da
igreja e o enfoque é somente alcançar a cidade.
2. Os americanos não crêem no potencial
dos estrangeiros. Eles não consideram que as pessoas alcançadas no campo podem
tornar-se missionários.
3. Eles têm muito dinheiro, e quando
investem no campo querem controlar excessivamente as ofertas.
4. Alguns têm muitas tradições quanto à
obra missionária que precisam ser quebradas. Por exemplo, a necessidade de ter
doutorado para poder ir ao campo, excesso de benefícios para os missionários,
etc.
5. O denominacionalismo aqui também é
exacerbado. Poucas denominações fazem parcerias com outras e também com
agencias missionárias.
6. Existe também o problema cultural,
com uma forte tendência a olharem outras culturas como inferiores
7. Tudo isto sem contar todo o
background político que tem sido um grande impedimento também.
7 – Tradicionalismo
O tradicionalismo tem feito que os
trabalhos realizados à maneira latina sejam criticados por lideranças
conservadoras. Isto tem prejudicado o aparecimento de trabalhos genuinamente
latinos. Se quisermos ver latinos chegando aos não-alcançados em grande quantidade,
precisamos apoiá-los. A maioria das escolas de treinamento ainda copia
currículos de instituições do Norte e procuram impor essa “fórmula” aos
latinos.
Aqui, uma vez mais, somos remetidos ao
relato bíblico referente a Davi, filho de Jessé, no campo de batalha. Todos
viram sua coragem e desejo de enfrentar o incircunciso Golias. Assim, a
primeira coisa que fizeram foi oferecer-lhe uma armadura pesada que impedia
seus movimentos. Sua reação natural foi rejeitá-la. Quando agiu do modo como
estava acostumado, sem a armadura, o resultado foi a vitória do povo de Israel
num momento crucial de sua história. Davi não ficou preso à tradição e guardou
a espada do gigante morto. Posteriormente, usou outras vezes a espada que
conquistara até ficar tão acostumado com o manejo dela que chegou a treinar
outros soldados. Os homens de Davi formaram o melhor exército da história de
Israel. Do mesmo modo, precisamos dar liberdade para os latinos
desenvolverem-se aprendendo com seus próprios erros e acertos. Antigamente,
missionários estrangeiros acabavam assumindo todas as funções e treinavam
poucas pessoas para substituí-los. A proposta agora é acabarmos com esse tipo
de tradição humana que não desenvolve todo o potencial dos candidatos. Vemos,
então, que a questão financeira é apenas um aspecto da cooperação, que inclui
ainda treinamento de qualidade e trabalho conjunto.
8 – Diferenças culturais
A forma de atuar dos brasileiros é bem
diferente da dos povos do Norte. Os brasileiros são mais orientados para o trabalho
com pessoas do que com tarefas. Isso já está mudando nas grandes cidades. Mesmo
assim, essa característica é muito importante, pois esse é justamente o perfil
da maioria dos povos não-alcançados da Terra.
Creio que, com um bom treinamento,
poderemos ver equipes mistas, compostas de latinos, europeus e norte-americanos
trabalhando juntos para expansão do Reino na face da Terra. Creio que é hora de
as organizações investirem não só nos missionários que já estão no campo, mas
também no treinamento daqueles que um dia servirão à causa do Senhor.
9 – Cultura da Infidelidade
Infelizmente, a cultura normal do
brasileiro é não cumprir com os compromissos assumidos, o que não implica numa
punição visível. Os missionários que dependem de promessas de crentes têm
ficado frustrados, decepcionados e muitos deles até mesmo amargurados. O quadro
não é muito diferente com as igrejas. Muitas delas enviam seus candidatos com
um compromisso assinado, algumas vezes registrado em atas, e o resultado acaba
sendo desanimador, pois não raro as promessas não saem do papel.
A mudança de pastor, construção de um
templo, método de trabalho da igreja ou uma crise financeira pode ser um
argumento forte o suficiente para cortar o sustento do missionário. Assim, o
missionário acaba sendo visto como algo descartável ou até mesmo supérfluo. Na
maioria das vezes essas mudanças ocorrem sem tempo hábil para um planejamento
ou comunicação prévia com o missionário, que pode acabar forçado a abandonar o
campo.
Fizemos uma pesquisa com um cadastro de
20.000 pesssoas que assinaram um cartão de compromisso de sustento. Os números
mostram que a média dos mantenedores fiéis a seu compromisso é de apenas 5%.
Vale lembrar que esses compromissos são assinados. Este não é um quadro verificado
apenas por nós, mas podemos dizer sem medo de errar que, de uma forma ou de
outra, todas as agências sofrem com essa falta de fidelidade. Conversei sobre
isso com um líder de outra organização missionária e ele me disse que eles têm
trabalhado arduamente na área de fidelização, no entanto somente o mesmo
percentual de 5% na fidelidade dos compromissos assumidos é alcançado.
10 – Denominacionalismo exagerado
Quando se pensa em missões
transculturais aos povos não alcançados, é preciso deixar o denominacionalismo
exagerado de lado. O trabalho missionário deve ser feito em conjunto em várias
frentes.
Somente o trabalho missionário pode
unir a Igreja, pois é uma das poucas questões que não gera polêmicas
teológicas. Jesus nos alertou que o mundo somente vai crer quando formos um.
Muitos líderes preocupam-se em colocar uma placa denominacional acima de tudo.
Contudo, eles nem imaginam que em alguns lugares é impossível exibir
publicamente o nome da igreja evangélica. Isso sem falar no escândalo que é para
algumas culturas verem dois ou mais grupos criticando abertamente um ao outro.
Como seriam nossas igrejas se os
missionários que aqui chegaram tivessem a mesma visão? Hoje seríamos meras
congregações das igrejas do hemisfério Norte. Há muitas igrejas interessadas em
ver suas “extensões” nos países do hemisfério Norte, especialmente entre a
comunidade de brasileiros que vivem como imigrantes nos países ricos.
Infelizmente, poucas igrejas rompem com esse pensamento e trabalham juntas pela
extensão do Reino e não por uma expansão denominacional. Por causa disso, os
números mostram que menos de 0,2 % das igrejas brasileiras tem um missionário
trabalhando entre os povos não alcançados.
Olhando para as Escrituras, não há
indícios de que os apóstolos deveriam ficar permanentemente em Jerusalém e
governar a Igreja. Tampouco havia o conceito difundido hoje em dia por certos
grupos de que “apóstolo” é o líder principal de um grupo de igrejas. Paulo
nunca manteve um controle dominador “apostólico” das igrejas implantadas por
ele.
11 – Cultura do retorno financeiro
Por que investir num tradutor da Bíblia
para uma língua que ainda não dispõe dela e cujos falantes não conhecem a
escrita? Isso não traz retorno financeiro e implica em grande investimento a
longo prazo. Essa é a idéia mais comum no contexto brasileiro. Dificilmente
lembramos que João Ferreira de Almeida começou a tradução da Bíblia para o
português aos 16 anos de idade e morreu sem vê-la concluída.
É impressionante ver o relato de como a
Bíblia foi traduzida para a língua tibetana. Foram 90 anos de trabalho árduo e
os missionários morávios que começaram o trabalho não o viram ser concluído. A
determinação daqueles que se dispõem a ser pioneiros é admirável.
Quando se investe em um obreiro
nacional para implantar uma igreja onde já existem muitas outras, o resultado
geralmente é rápido. Logo se estabelece uma congregação que muitas vezes envia
todos os recursos para a sede. Manter um missionário em campos não-alcançados é
caro e dá muito trabalho. Esquecemos daqueles que pagaram o preço para
trabalhar em nossa pátria, deixando sua família, cultura e igreja para que nós
tivéssemos acesso ao evangelho.
Há missionários sendo enviados para
lugares onde a comunidade brasileira é forte, principalmente onde há um retorno
financeiro rápido, pois almejam alcançar os imigrantes que buscam melhores
oportunidades de ganho financeiro. A questão é: por que não existe um
investimento proporcional para se alcançar os confins da Terra, principalmente
aqueles que nunca ouviram uma vez sequer a mensagem do evangelho? Acaba
existindo uma confusão na cabeça de muitas pessoas sobre o que realmente é um
trabalho missionário transcultural.
Todos os obreiros no reino de Deus são
levitas e por isso deveríamos ver o princípio bíblico ser aplicado. A tribo dos
levitas recebia 110% de ofertas. A contribuição era 10% de cada uma das outras
11 tribos, que retinham 90%. Este quadro foi mudado e quando foi instituído o
dízimo dos dízimos os levitas passaram a ficar com 99%. Mesmo assim recebiam
10% a mais do que as demais tribos. A questão é: “Até que ponto os levitas de
hoje são somente os músicos, como pregam muitas igrejas?”
É impressionante ver que os salários
dos missionários transculturais parecem ser cortados e diminuídos por qualquer
motivo, enquanto o mesmo não acontece com os salários pastorais. No conceito da
maioria das igrejas brasileiras, o missionário é visto como uma pessoa de
segunda categoria ou um extraterrestre. Essa atitude precisa ser mudada, e para
isso é necessário eliminarmos essa cultura do retorno financeiro.
O “normal” para muitas igrejas
brasileiras é fazer campanhas para ajudar os missionários. Geralmente elas só
conseguem arrecadar artigos que não têm mais nenhuma utilidade, coisas já
desgastadas e que dificilmente podem ser usadas pelos missionários. A idéia
predominante é de que os missionários são pessoas que não “deram certo” na
igreja e por isso são vistos como uma espécie de “cidadãos de segunda classe”
12 – Barreira Financeira
A distância geográfica entre o Brasil e
os povos não-alcançados da Ásia, Oriente Médio, Norte da África e Sahel é muito
grande, o que gera maiores necessidades financeiras. Vejamos um exemplo
prático: o custo de uma passagem aérea para um britânico visitar um país
africano como o Níger corresponde a menos de um salário mínimo da Inglaterra.
Enquanto isso, para um brasileiro voar até o Níger o custo é de aproximadamente
oito salários mínimos do Brasil. Ou seja, um britânico precisaria trabalhar
menos de um mês para viajar, enquanto o missionário brasileiro necessitaria dedicar-se
a quase oito meses!
O salário mínimo mensal no Brasil é de
aproximadamente 340 dólares americanos. A metade da população brasileira recebe
menos de dois salários mínimos por mês. A logística e estratégia para manter um
missionário na região dos povos menos alcançados do mundo é caríssima. O líder
de uma missão brasileira foi desafiado para o trabalho da China, que tem 490
etnias não alcançadas e cerca de 320 milhões de pessoas que nunca ouviram do
evangelho. Ele apenas disse: “Não temos interesse na China porque fica distante
e não temos estrutura para dar o cuidado missionário”. Eu disse isso ao líder
de uma missão da China e sua resposta foi: “Será que Deus continuará distante
dos chineses por causa disso?”
Sem pessoas como o apóstolo Paulo, Hudson
Taylor, David Linvigstone, William Carey, Adoniran Judson, Daniel Berg, Gunnar
Vingren, William Bagby, Ashbel Simonton, Nájua Dib e Ronaldo Lidório, o que
seria de nós e de tantos outros povos? Mas quando lemos sobre a vida desses e
de outros homens de Deus, jamais vemos que dinheiro foi uma barreira
intransponível, pois o Senhor sempre levantava pessoas para ajudá-los na
questão financeira. Dinheiro não pode ser um impedimento para a continuação da
obra.
13 – Concentração de Poder
O sistema das igrejas evangélicas
prioriza a entrada de recursos econômicos e não os feligresses. Prova disso é
que onde existe retorno financeiro abundante e rápido há uma concentração de
igrejas em detrimento dos lugares onde a população é mais pobre.
O Movimento Brasil 2010 tem trabalhado
para ver este quadro mudado. Eles realizam pesquisas sobre a realidade
religiosa do país com o objetivo de mostrar aos pastores a desproporção na
distribuição das igrejas, visando, assim, uma alocação mais eqüitativa de
obreiros até o ano 2010. O alvo é ver uma igreja implantada para cada 1.000
habitantes da nação brasileira.
Uma estatística publicada pelo
movimento mostra o exemplo de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo. Essa
cidade briga com Brasília pelo primeiro lugar em renda per capita da nação
brasileira. Existem mais de 60 igrejas em somente 15 quilômetros quadrados.
Como resultado dessa pesquisa, um pastor deixou uma cidade do interior
paranaense para se mudar para São Caetano do Sul!
Quando olho para fatos como este, me
admira a pouca atenção dada os desafios da Turquia, por exemplo, país com 70
milhões de pessoas e menos de 2.000 crentes. Em metade dos estados daquela
nação não há nenhum obreiro. O que motiva um crente a ir morar onde já existem
muitos outros cristãos? O certo não seria as pessoas desejarem levar o
evangelho para as regiões onde existem poucos ou mesmo nenhum crente?
14 – Liderança centralizadora
Na América Latina, principalmente no
Brasil, a maioria das igrejas segue o modelo de uma igreja-sede com várias
congregações. Isso parece ser herança do sistema católico, onde uma diocese
controla várias paróquias.
A maioria da liderança das igrejas no
Brasil não é participativa, mas sim dominante, seguindo o modelo dos caudilhos.
O quadro é o mesmo em toda a América Latina, África e muitos países asiáticos.
Infelizmente, a maioria desses líderes não tem demonstrado amor e compaixão
pelos povos não alcançados.
Pedi a uma missionária para fazer uma
pesquisa com os missionários da Horizontes para ver quantos deles foram
influenciados por seus pastores para irem aos povos não alcançados. Chegamos à
impressionante estatística de que 95% deles não foram incentivados, orientados
ou desafiados por seus pastores. O mais estarrecedor de tudo é que vários
destes pastores na verdade tentaram dissuadi-los a não aceitarem os desafios
dos povos não-alcançados e negligenciados pela igreja. A Horizontes somente
recebe os candidatos com o apoio de suas igrejas, por meio de uma carta de
apresentação. Portanto, é possível imaginar que a primeira batalha do candidato
começa com quem deveria apoiá-lo.
Os líderes principais das sedes não dão
nenhuma autonomia às congregações. Então, se tais congregações têm um candidato
a missões, ele não pode ter apoio financeiro, pois estará desviando o dinheiro
da sede. A realidade é que o investimento per capita do Brasil em missões
transculturais é o irrisório valor de apenas R$ 1,30 por ano. Como brasileiro,
tenho orado para que os pastores presidentes tenham visão, revelação, sonhos,
teofanias ou uma palavra do Senhor para que invistam em missões transculturais.
Também tenho orado e incentivado outros
a orar para que o Senhor chame os filhos destes pastores presidentes e
empresários para missões transculturais, pois sei que se eles forem aos campos
não-alcançados não lhes faltará sustento e poderão influenciar seus pais a
mudarem a atitude com relação a missões. Se cada uma destas igrejas investisse
somente 10% de suas entradas em missões, ocorreria uma revolução extraordinária
jamais vista na história da Igreja.
15 - Cultura espiritual
Os discípulos conviveram com o Mestre
por mais de três anos aqui na Terra. Todos os dias ouviam Jesus lhes ensinando
as Escrituras e mesmo assim não as entendiam. Finalmente, o Senhor abriu o
entendimento deles para que pudessem compreender as Escrituras, como vemos em
Lucas 24: 45-48. O objetivo da ida de Jesus para a cruz era resgatar todos os
pecadores para a glória de Deus. Ele cumpriu a sua parte, completou cabalmente
a sua missão, e depois passou a tocha aos discípulos, dizendo: “Assim como o
Pai me enviou, eu também vos envio” (João 20: 21b). Essa tarefa deveria começar
por Jerusalém. Muitos têm ensinado que a Jerusalém simboliza a nossa cidade. É
preciso lembrar que os discípulos remanescentes não eram naturais de Jerusalém.
Eles eram da Galiléia. O único cidadão da região de Jerusalém foi Judas, o
traidor.
O ensino do Senhor era que as pessoas,
quando se convertiam, deveriam ir primeiro aos seus. Após receberem a preparação
do Mestre sobre a Grande Comissão, a visão passada a eles era alcançar todos os
povos, tribos línguas e nações. A conclusão óbvia é que deviam ir a Jerusalém
porque lá todas as nações do mundo estariam representadas. Isso sempre ocorria
na festa de Pentecostes, que naquele ano foi marcada pela descida do Espírito
Santo.
Os renomados pastores e escritores
Andrew Murray e Oswald Smith enfatizavam em seus dias que o maior obstáculo
para missões são os próprios pastores. Isso não é diferente em nossos dias.
Posso relatar casos que envolvem vários
missionários. Eles constantemente visitam igrejas com o objetivo de levantar os
recursos para as passagens ou sustento. Vários pastores aproveitam para
levantar ofertas fazendo um apelo dramático para que os crentes dêem tudo o que
puderem para a obra missionária e o missionário presente ali. Ao final do
culto, alguns desses pastores nem procuram o missionário, enquanto outros dão
apenas o dízimo da oferta recolhida. São raros os pastores que demonstram
fidelidade quando se trata de ofertas. Conforme afirmavam Andrew Murray e
Oswald Smith trata-se de um problema espiritual.
Se queremos ver um avivamento
missionário nesta nação, devemos orar para que o Senhor abra o entendimento da
liderança da Igreja brasileira e eles possam ver além da sua própria região ou
paróquia. Que eles possam ter a mesma visão de John Wesley, que disse: “A minha
paróquia é o mundo”.
Conclusão
Muitos líderes nacionais e estrangeiros
têm profetizado que o Brasil é um “celeiro de missões”. Isso é verdade, pois
trata-se de um celeiro cheio. Mas ele não terá serventia se não for usado para
alimentar os povos menos alcançados pelo evangelho. Uma frase do hino nacional
brasileiro afirma que o país está “deitado eternamente em berço esplêndido”. Isso
também poderia ser aplicado a este país “gigante pela própria natureza” quando
se trata de missões transculturais. É preciso despertar o “gigante” de seu
“berço esplêndido” e mostrar que ele é também “belo, forte, impávido colosso”.
Para que isso aconteça será preciso
empregar uma força descomunal. Esta força terá que vir de um cordão de três
dobras , formado pela parceria entre a igreja estabelecida no Norte, a igreja
do Sul e o Senhor Jesus. Somente trabalhando juntos, em espírito de oração,
poderemos ver o potencial missionário do Brasil ser plenamente desenvolvido.
O pastor e líder político Martin Luther
King Jr afirmava que: “Esperar que Deus faça tudo enquanto não fazemos nada não
é fé, é superstição”. Este esforço tem que ser urgente, pois esta é a época de
colheita, em que os adolescentes e jovens estão interessadíssimos em entregar
sua vida para a propagação do evangelho entre os não alcançados. Estes jovens
brasileiros e latinos que estão sendo recrutados, treinados e enviados aos
povos não-alcançados podem viver com um valor 20% menor do que um
norte-americano gastaria. Isso sem falar na maior facilidade que os latinos têm
de ser aceitos pelo povo local
Creio que se não houver um grande
esforço de recrutar, treinar e enviar este contingente o quanto antes, a
colheita pode ser perdida. Este esforço tem que ser gigantesco, proporcional ao
tamanho do Brasil, que tem dimensões continentais. Para efeitos de comparação,
constata-se que o Brasil é maior que toda a Europa e o Leste Europeu juntos.
Assim, o planejamento de investimento tem que ser pensado dentro de uma
perspectiva continental.
Pr. Davi Botelho - Diretor Missões Horizontes