GEORGE WHITEFIELD
O FILHO DO TROVÃO
Esse admirável pregador uma vez foi inquirido porque seus sermões não eram tão brilhantes na imprensa escrita do que quando pregava as multidões ao ar livre, e assim respondeu: “ pode o papel imprimir a beleza do relâmpago e o fulgor do trovão de Deus? Assim também, ainda que me esmere, não consigo por no papel o que o Espírito Santo derrama nos cultos ao ar livre”
São várias as desculpas dos homens em não obedecerem aos mandamentos de Deus. Uns dizem que os mandamentos de Deus não são praticáveis e; por conseguinte, ele é um Deus severo,
“ceifando onde não semeou e ajuntando onde não espalhou” e sem dúvida esse é o mesmo sentimento cultivado pela geração má
e adúltera de hoje. O Espírito Santo, já prevendo isso, teve o cuidado de
mostrar muitos que foram capazes de
tomar sobre si o jugo de Cristo, e de considerar o serviço dele como leve e
suave.
Entre eles temos Enoque, e sobre
ele, assim diz o Espírito de Deus:
“Enoque andou com Deus”. “ele já não
era, pois Deus o tomou para si”.
Ele não era; ou seja,
não foi mais encontrado. Ele não foi levado da maneira comum, ele não viu a
morte; pois Deus o trasladou (Hb 11.5). Sobre
esse Enoque, Judas diz que ele era um ardente pregador: “Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades, para
exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios acerca de
todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras
insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele.” (Jd v.14-15).
O autor de Hebreus nos
diz que antes de seu traslado ele tinha este testemunho, de que agradou a Deus;
e o fato de ter sido trasladado foi uma prova que não deixou nenhuma dúvida. E eu assinalo que foi sabedoria maravilhosa Deus trasladar
Enoque e Elias sob a dispensação do Antigo Testamento, para que, doravante,
quando se asseverasse que o Senhor Jesus foi levado ao céu, não parecesse de
todo inacreditável aos judeus;
Quero falar do “andar
com Deus”. E “Enoque andou com Deus”. Se isso puder ser dito de você e de mim
depois de nossa morte, certamente não teremos razão alguma de nos queixarmos de
havermos vivido em vão.
1)
Primeiro, o que devemos entender por andar com Deus.
Isso significa que o poder predominante da hostilidade do coração de uma pessoa
foi removido pelo bendito Espírito de Deus. Talvez algo duro de se dizer a
alguns, no entanto, nossa experiência diária prova o que as Escrituras em
muitas passagens afirmam que a mente carnal, a mente do homem natural
não-convertido, é inimizade contra Deus;
de forma que não está sujeita à lei de Deus, nem de fato pode estar.
Realmente, é bem de se
admirar que o homem, feito imagem e semelhança de seu Criador, possuísse
qualquer inimizade, contra o próprio Deus que o criou. Mas, assim o é.
Nossos primeiros pais, por ocasião da queda, ao ouvirem a voz do
Senhor Deus, em vez de correrem em sua direção com o coração aberto dizendo:
“Aqui estou!”; Se esconderam! eles agora não queriam nenhuma comunhão com Deus
e ainda Adão culpou a Deus pelo triste feito: “A mulher que você me deu, ela me deu do fruto, e eu
comi”. É como se ele tivesse dito: Se tu não tivesses me dado esta mulher, eu
não teria pecado contra ti, portanto, és o culpado da minha transgressão”. E
dessa mesma maneira essa inimizade está no coração dos filhos de Adão.
A partir de então, a
aversão à oração e aos deveres santos já são encontrados nas crianças, até
mesmo naquelas que tenham sido abençoadas com uma educação religiosa.
Pois todo aquele que
entende isso prontamente reconhecerá que antes que se possa dizer que alguém
anda com Deus, esse poder preponderante dessa hostilidade de coração deverá ser
aniquilado
Atentem
ao que eu digo, o poder dessa hostilidade predominante deve ser tirado, apesar
da essência deste sentimento nunca ser totalmente removida até curvarmos
definitivamente nossas cabeças e rendermos o espírito.
.
Segundo, andar com
Deus significa não somente que o poder da inimizade que domina o coração do
homem é retirado, mas também que a pessoa de fato é reconciliada com Deus Pai,
em e através da justiça e expiação todo-suficientes de seu querido Filho. “Podem dois caminhar juntos se não
houver entre eles acordo?” (Am 3.3). Jesus é nossa paz. Quando somos
justificados pela fé em Cristo, então, e somente então, é que temos paz com
Deus e conseqüentemente só a partir daí é que podemos dizer que andamos com
Ele; o andar com uma pessoa é um sinal e uma prova de que somos amigos desta
pessoa ou pelo menos, ainda que tenhamos tido divergências, revela que nos
reconciliamos e nos tornamos amigos de novo. Esta é a grande mensagem que os
ministros do Evangelho estão proclamando. A nós é confiado o ministério da
reconciliação, como embaixadores de Deus, nós temos que rogar aos pecadores, no
lugar de Cristo, a se reconciliarem com Deus e, quando eles atendem a este
gracioso convite e são realmente, pela fé, trazidos a um estado de reconciliação
com Deus, então, e só então, eles podem dizer que estão começando a andar com
Deus.
Terceiro, andar com Deus implica
em estabelecer uma firme e permanente comunhão e amizade com Ele, ou o que nas
Escrituras é chamado “O Espírito Santo habitando em vós”. Isso foi o que Nosso Senhor prometeu
quando disse aos discípulos que o Espírito Santo estaria neles e com eles, não
como um caminhante, que chega para passar a noite e parte no dia seguinte, mas
para estabelecer morada, fazer sua habitação em seus corações. “E andou Enoque com Deus”, ou seja, ele manteve e cultivou uma
santa, firme, habitual, indubitável e ininterrupta comunhão e amizade com Deus,
em e através de Jesus Cristo. Para resumir o que foi dito nesta parte do
primeiro tópico geral, andar com Deus consiste especialmente em estabelecer um
costumeiro curvar-se diante da vontade divina, numa habitual dependência de seu
poder e promessa, numa usual e voluntária dedicação total nossa à sua glória,
num exame freqüente de seus preceitos em tudo o que fazemos e numa costumeira
auto-satisfação em agradá-lo em todos os nossos sofrimentos.
Quarto, andar com Deus
importa progredir ou avançar na vida divina.
A pessoa que caminha, ainda que se mova
vagarosamente, vai adiante e não continua no mesmo lugar. E assim é com aqueles
que andam com Deus. Eles prosseguem, como diz o salmista, “de força em força”
ou na linguagem do apóstolo Paulo: “somos transformados de glória em glória na
sua própria imagem, como pelo Senhor o Espírito”. Quando alguém nasce de Deus,
para todos os fins e propósitos ele é um filho de Deus; e ainda que viva até a
idade de Metusalém, não obstante, ainda será um filho de Deus. Porém, em outro
sentido, a vida divina admite declínios e melhoras. Daí encontrarmos o povo de
Deus culpado de apostasia e perdendo seu primeiro amor. E é por isso que
ouvimos falar de bebês, jovens e pais em Cristo.
Como isso é feito, ou, em outras
palavras, por quais meios os crentes cultivam e mantêm esse andar com Deus é o
que vamos considerar em nosso segundo tópico geral.
Em primeiro lugar, os
crentes mantêm seu andar com Deus ao lerem sua santa Palavra. “Examinem as Escrituras, pois elas é que
testificam de mim” diz
nosso bendito Senhor. E o nobre salmista diz: “a
palavra de Deus é lâmpada para os meus pés e luz para os meus caminhos”,
e estabelece-a como característica de um homem bom, o qual “tem seu deleite na lei do Senhor, e se
exercita nela dia e noite”. “Entrega-te à leitura”, diz Paulo a Timóteo. E
Deus diz a Josué: “E este livro da lei não se
afaste de tua boca”. Pois tudo o que dantes foi escrito, o foi para o
nosso aprendizado. E a Palavra de Deus é útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, e de todas as
maneiras suficiente para tornar cada filho de Deus perfeitamente habilitado
para toda a boa obra. Nosso bendito Senhor, conquanto tivesse o
Espírito de Deus sem medida, todavia, sempre foi guiado pelo “está escrito”,
e com ele lutou com o diabo. A isso o apóstolo chama de “a espada do Espírito”. As
Escrituras são chamadas de os oráculos vivos de Deus. Então nós
descobrimos, por feliz experiência, que as
Escrituras são de fato espírito e vida, comida e bebida para nossas
almas.
Em segundo lugar, os
crentes devem conservar e sustentar seu andar com Deus através da oração em
segredo.
O espírito da graça vem sempre acompanhado do espírito da
súplica. Ele é o próprio fôlego de vida da nova criatura, o sopro da
vida divina, por meio da qual a centelha do fogo santo é acesa na alma por
Deus, e não apenas é mantida, mas cresce e se transforma em uma chama. A negligência
de orar em secreto tem sido freqüentemente uma abertura a muitas doenças
espirituais e tem sido acompanhada de conseqüências fatais. Orígenes
observou que “oferecia incenso a um ídolo no dia em
que saía de seu quarto sem ter orado a Deus em secreto”. A oração é uma
das partes mais nobres da armadura espiritual do cristão. “Orai sem cessar” diz o apóstolo
“com toda a sorte de súplicas”. “Orai e vigiai” diz
Nosso Senhor, “para que não entreis em tentação”. E Ele contou uma
parábola a fim de que seus discípulos orassem e não desanimassem. A oração! Ela eleva o homem a Deus, e desce Deus ao homem.
Ela ergue o homem até Deus e traz Deus até o homem. Ó, crentes! Se quiserem
manter seu andar com Deus, orem, orem sem cessar. Fiquem em secreto, ponham-se
a orar.
E, quando vocês estiverem prestes a retornar às
tarefas normais da vida cotidiana, façam preces abundantes e enviem de tempos
em tempos breves cartas para o céu nas asas da fé. Elas irão alcançar o próprio
coração de Deus e retornar para você novamente carregadas de bênçãos
espirituais.
Em terceiro lugar,
santa e freqüente meditação é outro abençoado meio de um crente conservar a
caminhada com Deus.
“Oração, leitura, tentação e meditação”, diz Lutero, “faz um ministro”. E
também produz e aperfeiçoa um cristão. Meditação para a alma é o mesmo que
digestão para o corpo. O santo Davi descobriu isso, daí estar constantemente
ocupado meditando, mesmo nas vigílias da noite. Também encontramos Isaque indo para o campo ao anoitecer
a fim de meditar. A meditação é uma espécie de oração silenciosa, por meio da qual
a alma é amiúde levada, por assim dizer, para fora de si mesma para Deus e, em
certa medida, como aqueles espíritos abençoados, os quais por uma espécie de
intuição imediata, sempre vêem a face de nosso Pai celeste. Ninguém, exceto essas felizes almas
que estão acostumadas a essa ocupação divina, pode dizer que bendita promotora
da vida divina o é a meditação. “Enquanto eu
meditava”, diz Davi, “acendeu o fogo”. E enquanto o crente medita na
obra e na palavra de Deus, especialmente na obra das obras, na maravilha das
maravilhas, no mistério da piedade, “Deus manifestado em carne”, o Cordeiro de
Deus morto pelos pecados do mundo. Sejam assíduos na meditação todos vocês que
desejam guardar e manter um íntimo e estável andar com o Deus Altíssimo.
Em quarto lugar, para andar bem
junto de Deus, seus filhos devem não apenas ficar atento às ações da
Providência Divina fora deles, mas também às do seu bendito Espírito em seus
corações. “Pois todos os
que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”, os que renunciam a
si mesmos para serem guiados pelo Espírito Santo, do mesmo modo que uma criança
pequena dá sua mão para ser conduzida pela babá ou por seus pais.. Por isso, eu
rogo a vocês, ó cristãos, que atentem ao mover do bendito Espírito de Deus em
suas almas, e sempre testem as sugestões ou influências toda vez que vocês a
sentirem, pela infalível regra da santíssima Palavra de Deus; e, se não se
achar concordância entre elas e a Palavra de Deus, rejeitem-nas como diabólicas
e ilusórias.
Em
quinto e último lugar, se você quer andar com Deus, você se unirá e andará com
aqueles que também andam com Ele. “Meu deleite”, diz o santo Davi, “está
naqueles que me sobrepujam” em virtude. E, sem dúvida, os primeiros cristãos conservavam seu
vigor e seu primeiro amor porque se mantinham em união e amizade uns com os
outros. O apóstolo Paulo sabia disso muitíssimo bem e, portanto, exorta os
cristãos a que observassem isto e que não deixassem a sua congregação. Pois
como pode alguém sozinho se aquecer? E não foi o mais sábio dos homens que nos
disse: “O ferro com o ferro se afia, assim o homem ao seu amigo”. Logo, se
olharmos a história da igreja ou observarmos com justiça o nosso próprio tempo,
eu creio que vamos descobrir que, enquanto o poder de Deus predomina, as
sociedades cristãs e as reuniões de comunhão predominam na mesma proporção. E que,
à medida que aquele declina, essas outras também, de modo imperceptível,
diminuem e definham-se ao mesmo tempo. Sendo assim, é necessário àqueles que
querem andar com Deus e viverem uma vida religiosa ajuntarem-se sempre que for
oportuno a fim de estimular uns aos outros ao amor e às boas obras.