I. Lilias
Trotter : Revista À Maturidade - Inverno de 1986
Publicação:
20/07/2009
"Para aqueles que se voltam em direção a Ele, para a
redenção...".
A morte é o portão da vida
Houve uma
profunda percepção nestas antigas palavras. Porque o pensamento natural do
homem a respeito da morte é o de um triste fim, em degeneração e decomposição.
E ele está correto, do seu ponto de vista, pois a morte, como punição do
pecado, é um fim.
Porém, é
bastante diferente o pensamento de Deus na redenção do mundo. Ele toma a
própria morte, que entrou com a maldição, e a torna em caminho de glória. A
morte se torna um começo, em vez de um fim, pois ela se torna o meio de
liberação de uma nova vida.
Assim
sendo, a esperança que reside nessas lições de morte e vida em forma de
parábolas, tem significado somente para aqueles que se voltam em direção a Ele,
para a redenção. Para aquele que não se voltaram, a morte permanece inevitável,
irrevogável, em toda a sua terrível sentença. Para estes não há nenhum raio de
luz que venha através dela.
“A morte
de Cruz – a hora triunfante da morte – este foi o ponto onde o portão de Deus
se abriu. É a este portão que nos achegamos vez após vez, à medida em que a nossa
vida se desenrola e é através dele que passamos, ainda aqui na terra, para a
nossa jubilosa ressurreição, para uma vida cada vez mais abundante, pois a cada
momento o morrer é ainda mais profundo. A vida cristã é um processo de
livramento de um mundo para outro e a “morte”, como em verdade tem sito dito,
“é o único caminho para fora de qualquer mundo em que estejamos”.
“A morte
é o portão da vida”. É assim que ela é vista por nós? Temos nós aprendido a
descer uma vez e outra ao amontoado das suas sombras, em tranqüilidade e
confiança, sabendo que há sempre “uma melhor ressurreição” além?
É nos estágios do crescimento de uma planta, no seu desabrochar, florescer, e
na produção de sementes, que essa lição veio a mim; a lição da morte em seu
poder libertador. Ela veio não como meras imagens extravagantes, mas como uma
das muitas vozes com as quais Deus fala, trazendo força e alegria do Seu Santo
lugar.
Não
podemos traçar o sinal da Cruz na primeira insinuação da nova aurora da
primavera? Em muitos casos, como no caso da castanheira, antes que uma única
velha folha perca o brilho, os brotos do ano seguinte podem ser vistos, no cume
dos ramos e dos galhos, formados à sua própria semelhança; em outros, os brotos
das folhas parecem levar a suas marcas ao se romperem através da haste
vermelho-cor-de-sangue. De volta aos primeiros estágios da planta, o toque
carmesim deve ser encontrado nas folhas com sementes, nos novos brotos e até
mesmo nos brotos escondidos. Olhe para o fruto do carvalho, por exemplo, quando
ele quebra a sua concha e veja como o broto de árvore leva a sua marca de
nascença: é o vermelho-cor-de-sangue, através do qual o aspecto do raio solar
surge, saindo das trevas, e o sol nasce saindo da noite. As próprias estrelas,
a ciência nos diz, reluzem com esta mesma cor ao nascerem, no universo, das
antigas estrelas que morrem.
Que seja
também verdadeiro no mundo da graça, assim como o é na Natureza, que cada alma
que entre na verdadeira vida, leve no seu princípio este selo carmesim; deve
haver o “aspergir do Sangue de Jesus Cristo” individual. Que cada alma saia
através do Portão da Cruz.
E aqui
está o indispensável. A morte é o único caminho para fora do mundo de
condenação em que residimos. Encerrados neste mundo, é vã qualquer batalha para
sair dele por esforço próprio; nada pode revogar o decreto: “a alma que pecar,
esta morrerá”.
A única
escolha que resta é esta: Ou será a nossa própria morte sob a antiga liderança
de Adão, segundo todo o significado que Deus dá a essa palavra, ou será a morte
de outro em nosso lugar, sob a liderança de Cristo.
É quando
chegamos ao desespero, quando nos sentimos imobilizados esperando a nossa
ruína, que a glória e a beleza do caminho de escape divino, amanhecem sobre
nós, e nos submetemos a Ele neste caminho. Toda a resistência se quebra, à
medida em que a fé se firma no fato: “Ele me amou e se entregou por mim”.
Recebamos a expiação tão duramente ganha, e saiamos para dentro da vida, não
somente perdoados, mas purificados e justificados.
A morte para a penalidade do pecado
é o caminho para uma vida de justificação
À medida
em que saímos livres, descobrimos que do outro lado da Cruz uma nova existência
realmente começou; que o amor do Crucificado tocou as fontes do nosso ser –
estamos em outro mundo, sob um céu aberto. “Cristo sofreu pelos pecados, o
Justo pelos injustos, para que pudesse nos trazer a Deus”.
Será que
você, que lê essas palavras, é alguém que está tentando lutar para sair desta
vida natural, para entrar na espiritual, por algum outro caminho que não seja este
caminho da Cruz? Isso é tão impossível quanto seria passar de hoje para amanhã,
sem fazê-lo através da noite. Sua batalha é uma batalha contra Deus. Renda-se e
aceite as Suas condições. Renda-se agora!
Mas, por mais abençoada que possa ser esta passagem para uma vida de paz com
Ele, ai da alma que estaciona, pensando que o alvo foi alcançado, e mingua,
constituindo-se, por assim dizer, um broto atrofiado. Santidade, não segurança,
é o objetivo do nosso chamamento.
E
acontece então, que a pressão de uma nova necessidade de livramento é logo
sentida por aquele que é leal a voz de Deus em seu coração. As duas vidas estão
ali juntas, uma recém-nascida e frágil, a outra forte com um crescimento
anterior. “A carne milita contra o espírito e o espírito contra a carne”, e o
poder da vontade é dividido entre as duas vidas, tal como a seiva que flui
parcialmente para as velhas folhas condenadas e parcialmente para os tenros
rebentos.
Consequentemente,
há o conflito de um reino dividido contra si mesmo: algumas vezes elas lutam
lado a lado, até que o clamor é arrancado – “Ó, desventurado homem que sou;
quem me livrará?”
E
novamente aqui, quando o ponto de desespero é alcançado, e chegamos a ver que
nossos esforços em busca da santidade são tão inúteis quanto os nossos esforços
em busca da aceitação para com Deus, é que a porta de escape se abre outra vez.
Glória seja dada a Deus, pois há um caminho definido que conduz para fora da
prisão da vida de luta e derrota, pecado e arrependimento, onde tantas almas se
debatem por anos, após resolvida a questão do perdão. E este caminho é,
novamente, o caminho de morte.
Um
estágio de morte deve vir sobre a planta, antes que as novas folhas possam
crescer e florescer. Deve haver uma escolha deliberada entre o antigo
crescimento e o novo; um deve dar lugar ao outro; o fruto do carvalho tem que
chegar ao ponto em que deixe de sustentar a pobreza da sua antiga existência, e
permita que toda a seiva vá para o novo rebento; o galho deve retirar sua seiva
da folha do ano anterior, e deixa-la fluir para o rebento deste ano.
E antes
que a alma possa realmente entrar em uma vida de santidade, com todas as suas
abençoadas e infindáveis possibilidades, uma escolha semelhante deve ser feita:
todo pecado conhecido deve ser deliberadamente abandonado, para que a marcha
ascendente possa ter pleno desenvolvimento.
“Mas”,
você diz, “tenho tentado uma vez e outra abandonar o pecado; tenho orado e
tenho feito propósitos, mas a vontade encontra seu caminho de volta pelos
antigos canais, e mantém vivo o passado, antes que eu o perceba”.
Olhe para
a nossa parábola. Os botânicos dizem que em volta do caule da folha, no outono,
forma-se uma camada de células de parede fina denominada, “a camada da
separação”. Estas células comprimem e rompem as células mais velhas, e, por sua
vez, se desintegram até que, sem nenhum esforço, a folha se desprende num corte
tão perfeito como se feito por uma faca. A planta sentencia a folha à morte, e
os ventos de Deus executam a sentença.
Mas, onde
está a barreira que podemos colocar entre nós e a velha natureza? Onde está a
sentença de morte que podemos pronunciar sobre ela?
Estamos
novamente de volta à cruz! É ali, ao nosso alcance. “Nosso homem velho foi
crucificado; pois quem está morto está justificado do pecado”.