6 de abril de 2013

JOSÉ MANUEL DA CONCEIÇÃO - O padre que virou pastor


 

JOSÉ MANUEL DA CONCEIÇÃO
O primeiro pastor ordenado no Brasil
 
 


O primeiro pastor brasileiro foi um padre, que converteu-se ao protestantismo tornando-se pastor da igreja presbiteriana, o primeiro nacional ordenado para tal serviço, o que resultou sua excomunhão pela igreja católica, sentença publicada em um jornal paulista, acompanhada depois da defesa do já então, pastor Manoel da Conceição. Os dois documentos foram depois publicados juntos em uma brochura, no ano de 1867. É este opúsculo que está disponível para download no blog ALMANAQUE DE HISTÓRIA

Este padre católico brasileiro  nos idos de 1864, passava por uma profunda crise espiritual, exatamente a da questão da salvação e do valor meritório das obras. Como Lutero, condenava as indulgências que proporcionavam uma falsa paz, acusando a Igreja pelo seu "sistema de comutação" que "implica e explica a negação da graça de Jesus". Não lhe sendo possível continuar no exercício do ministério, quis abandoná-lo, tendo sido, por sua vontade, dispensado apenas de suas funções propriamente sacerdotais, após o que foi viver como simples particular, em uma pequena casa de campo nos arredores de Rio Claro. Aí foi encontrá-lo o missionário americano Blackford, atraído pela fama do "padre protestante". Este acabou por ceder às suas exortações, batizando-se na Igreja Presbiteriana do Rio em 23 de outubro de 1864.
     

 Eis aqui uma descrição das duas últimas reuniões, feitas por Blackford e conceição, que nos mostra o modo como eram realizadas e como se criou em Brotas o primeiro núcleo protestante verdadeiramente brasileiro: "Na segunda-feira 13 (de novembro) reunimo-nos em casa de Antônio Francisco de Gouvêa, no sítio, com o objetivo de organizar uma igreja. O Sr. Conceição pregou a mais de 30 presentes, após o que fizeram pública profissão de fé e receberam o sacramento do batismo . Era a primeira vez que qualquer deles participava desse sacramento, ou o via. Foram horas de júbilo para o coração dos que participaram e de profunda impressão para os que presenciaram.
      Gradualmente a comunidade de Brotas desenvolveu-se de maneira extraordinária. Em 1867 possuía 61 membros professos, em 1871, 116 (e 123 crianças); em 1874, 140 membros. "Gente da vila e gente dos sítios: . Gente de várias procedências e diversas famílias, espalhadas num raio de dez a quinze léguas por aqueles sertões. A igreja de Brotas foi, durante muito tempo uma das maiores igrejas protestantes do Brasil, ao lado da do Rio.

 
 

Frases

"e temos confiança, e ansiosamente desejamos vê-la progredir, concorrendo com quanto houver em nossas poucas forças para que mais e mais Jesus Cristo ganhe almas para sua glória".


"Nossas poucas forças". Conceição havia dito também "A continuar como nos últimos tempos, antevejo que pouco poderei prestar".
Acabava, realmente, de fazer cinco grandes viagens no decurso de um ano. Seus companheiros de jornada

 

– missionários como Blackford, Chamberlain, Schneider, Simonton, e ainda jovens evangelistas brasileiros ou portugueses como Miguel Torres, Modesto Perestrelo de Barros, Antônio Pedro, José Rodrigues, Carvalhosa – revezavam-se cada vez, à administração, e bem cedo à burocracia. Continuou no seu ministério de apóstolo itinerante.

 

 Os missionários, que, enviando os jovens evangelistas brasileiros a estudar no Rio, haviam-no privado de seus companheiros habituais, tinham outras coisas a fazer que seguir esse nativo, tão independente quanto psicologicamente incompreensível. E assim, daí por diante, Conceição fazia suas viagens de pregação só, como havia feito no começo, quando o acreditavam louco (não se estava, aliás, voltando a essa idéia?).
Nessa divergência, entretanto, havia algo mais profundo que diferenças de temperamento ou técnica missionária. Conceição, cuja experiência religiosa muito se assemelhava à de Lutero, tinha, com relação a questões eclesiásticas, uma posição vizinha à do Reformador. Saído de uma igreja cujo principal defeito fora talvez deixar-se dominar pela organização, sentia bem pouco a necessidade de uma contra-Igreja organizada. Rompendo com Roma como Lutero, almejava, como Lutero, difundir a mensagem de salvação, sem se preocupar muito em destruir instituições para elevar outras. Seu último biógrafo transcreve, a esse respeito, uma página notável que é necessário reproduzir na íntegra: "Se queremos imprudentemente comunicar a homens sem preparatório algum, verdades que lhes são absolutamente incompreensíveis, empregadas desta sorte, falsa e prejudicialmente, não promoveremos assim a ilustração. Ilustrar é conduzir o homem pensador à meditação, para faze-lo valoroso, e capaz de poder por si mesmo descobrir a verdade, que lhe comunicamos.
"Tanto seria loucura, se os pais quisessem insinuar a seus filhos malcriados e fracos as verdades que sabem; quão fátuo querer imbuir adultos sem prévia e conveniente disposição de coisas e princípios, que lhes é impossível compreender".
"Tudo tem seu tempo".
"Há muitos homens incultos que são crianças a muitos respeitos, que devem ser doutrinados com grande circunspecção. Porque o exterminar certos prejuízos e costumes úteis, usos que muitas vezes substituem a verdade mesma, por nenhum modo é isso ilustração; porém leviandade desumana, crueldade inexcedível".


"Respeitem-se, portanto, os costumes e usos antigos do povo, que, em falta de mais profundos esclarecimentos são aptos para guiá-los e contê-los no bem".


"Ó meu Deus! Eu respeitarei a religião do ignorante – a fé daqueles que não tem tantas ocasiões de conhecer-vos, de venerar-vos de um modo mais digno. Jamais servirei à vaidade e presunção, de tal sorte que abale a fé piedosa dos outros com palavras e ações inconsideradas".


Estas palavras, como se disse, "embora dirigidas àqueles que pregam o materialismo em nome da ciência, evidentemente estabelecem um princípio geral de conduta bem definido. Princípio que se opunha ao método dos missionários estrangeiros, preocupados em destruir, como supersticiosos e idólatras, os hábitos religiosos encontrados entre o povo brasileiro – enquanto o primeiro dentre eles, Kidder, fora capaz de receber que esses hábitos denunciavam, e mesmo sustentavam, a existência de uma fé ignorante, mas profunda e sincera.

 

Manifestava-se no Brasil, uma vez mais – depois de Feijó e Kidder – a visão de uma Reforma realmente brasileira, harmonizada com o temperamento e os hábitos do país, visão que, aliada ao seu apego à evangelização itinerante, iria fazer dele "um desconhecido" para seus companheiros e amigos missionários, "que desejavam ajudá-lo, mas não sabiam como".


Não tinha havido um rompimento entre ele e seus companheiros, mas sua missão não era o ministério organizado e a propaganda confessional, à qual se dedicavam então os missionários; nem mesmo se dedicava mais à evangelização itinerante, com auditórios relativamente grandes e representantes de todas as classes. O antigo cura, de boa família, possuidor de grande cultura, dedicava-se agora ao ministério de caridade e instrução religiosa entre os mais humildes. O insigne teólogo, que estava a par da literatura espiritual de toda a Europa, comprazia-se com os mais modestos conselhos de higiene como meios de obter a paz da alma. Comovente declínio de um homem que experimentara até o paroxismo, todas as lutas do espírito. Essa mesma humildade levava-o a viver essa "vida pobre" que se aproxima de São Francisco de Assis, e da qual o protestantismo brasileiro guardou admirativa memória, mesclada de alguma surpresa.


"Chegando a um sítio, diz o major Fausto de Souza, se resolvia a ter aí alguma permanência, ele procurava alguma choça ou telheiro que lhe servisse de abrigo, às vezes mesmo edificado por suas mãos e coberto de ramos; se, porém, sua demora era passageira, ele pedia hospedagem em qualquer casa, preferindo as de modesta aparência; e, antes de sair dela, procurava dar um sinal de seu reconhecimento, servindo de enfermeiro a algum doente, consolando tristezas ou mesmo prestando vários serviços humildes, como varrer, lavar, etc., etc.


"... Sua frugalidade era tal que com qualquer coisa se satisfazia durante o dia inteiro: uns ovos, leite, um pouco de farinha de milho ou de mandioca, ervas, café e açúcar, constituíam quase sempre o seu alimento. Desses gêneros, os que lhe davam agradecia com humildade; mas se assim não acontecia, também não os pedia, mas comprava-os em pequena quantidade, à proporção que deles necessitava, porque, conformando-se com a ordem dada por Jesus Cristo aos apóstolos, ele não possuía alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem calçado, nem bordão, e mesmo o dinheiro que levava para o seu parco sustento limitava-se a alguns tostões".


Esta vida de pregador solitário durou quatro anos. Quatro anos durante os quais Conceição pregava aos arrieiros e viajantes que encontrava, aos pobres em cuja casa residia e dos quais cuidava, vítima muitas vezes de sevícias por parte de populações fanáticas, outras vezes considerando taumaturgo e obrigado a subtrair-se a uma espécie de culto.


Tendo agradecido aos que o haviam socorrido, pediu que o deixassem "só com seu Deus" e morreu, tendo adormecido, ao que parece, por volta do fim da missa da noite de Natal.


O protestantismo brasileiro teve, em Conceição – que abriu seus caminhos e nimbou seus primórdios de uma auréola mística – um santo. província.
Em 1844, foi ordenado padre da igreja romana, e pelo espaço de 18 anos exerceu o cargo de pároco em diversos lugares de sua província natal.


Ele possuía, em alto grau as características tão essenciais para o ministério sagrado, uma profunda e viva simpatia com seus semelhantes; e em toda parte onde andava, foi admirado e amado pelo povo. Ele foi com justiça considerado um dos maiores ornamentos da tribuna sagrada da diocese S. Paulo.
Seu espírito esclarecido e reto não podia porém conciliar os dogmas e a prática da Igreja Católica Apostólica Romana com a luz do evangelho, que seus estudos lhe traziam, e depois de uma renhida luta espiritual por alguns anos, decidiu-lhe em 1864 a tudo abandonar por amor da verdade. Em setembro desse ano participou ao bispo de S. Paulo, a sua retirada definitiva da igreja romana e a sua renúncia dos cargos que nela tinha exercido.



Em dezembro de 1865, foi ordenado ministro do Evangelho pelo Presbitério do Rio de Janeiro, reunido na cidade de São Paulo. Tornando-se o primeiro pastor Presbiteriano Nacional.
Poucos meses depois, empreendeu de motu-próprio, o que era seu trabalho predileto, andar de casa em casa e de lugar em lugar anunciando aos homens a boa nova de salvação de graça por nosso Senhor Jesus Cristo.
E até o fim de sua vida, umas vezes a cavalo outras vezes a pé, prosseguiu, como podia, nesta sua nobre missão.
Seus colegas e amigos, muitas vezes instavam com ele para aceitar algum outro emprego ou modo de trabalho mais compatível com as suas forças. Ele, porém, não quis anuir.
Muitas cidades, vilas e arraiais e milhares de pessoas nas províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, foram testemunhas da fidelidade, zelo e fervor com que ele pregava Cristo crucificado como único Redentor.
Ele semeou a boa semente, da qual haverá no Brasil e no céu uma imensa colheita.


José Manoel da Conceição padecia, havia muitos anos de uma grave enfermidade, que as vezes, o incapacitava por dias e semanas inteiras para qualquer serviço.
prática do romanismo.
Boanerges Ribeiro comentando a Resposta de Conceição, resume: "É sintético, claro, elegante, vigoroso, bíblico. Atinge o romanismo no coração, a missa, que enseja o sacerdócio, o qual detém os sacramentos pelos quais manipula os benefícios da expiação feita no Calvário e conserva cativos os católicos romanos." (Boanerges Ribeiro, José Manoel da Conceição e a Reforma Evangélica, p.68).


O próprio Conceição finca as estacas: "Os pontos fundamentais desta exposição do plano da nossa redenção são três:
1º Pela morte da cruz Jesus Cristo pagou a dívida dos que se salvam, e por conseguinte estes não Têm de fazer expiação por si mesmos, nem o sacrifício de Cristo se repete.
2º A condição de alguém ter o proveito desse pagamento é de sua parte. A salvação é um dom concedido de graça aos que crêem no Filho de Deus.
3º O dom do Espírito Santo acompanha a remissão dos pecados; ele é o autor na nova vida interior em que consiste a essência do Cristianismo. Ele é o santificador; e os sacramentos, a oração, a leitura e meditação das palavras de Deus são meios cuja utilidade da sua colaboração."


Ele argumenta e prova, que a seita romana alterou fundamentalmente alguns pontos. Em sua exposição, Conceição revela o quanto ele tinha uma visão Reformada das Escrituras. Os pontos mencionados são estes: "1º Ela contesta e nega suficiência da expiação feita sobre a cruz. (...) 2º O segundo ponto alterado radicalmente, versa sobre as condições indispensáveis a fim de que os homens tenham o proveito do pagamento feito por Cristo. (...) 3º O terceiro ponto fundamental, que no ensino da Igreja Romana está radicalmente alterado é a doutrina do Espírito Santo." 

 

Segundo ele: "Não há reforma possível que não comece por reafirmar: 1º que Cristo foi crucificado uma só vez no Calvário é a única e suficiente expiação pelo pecado, e já não há mais oferenda pelo pecador; 2º que os méritos de Cristo estão ao alcance de toda a alma contrita e crente; 3º que a essência de uma vida cristã está na reabilitação do homem interior, e não há força capaz de efetuar tal transformação exceto o Espírito de Deus, com quem estamos em contato imediato. Pedindo, receberemos; buscando, acharemos; batendo, abrir-se-nos-á." (José Manoel da Conceição, Sentença de Excomunhão e Sua Resposta, p. 26).
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