O Spurgeon da África
por
Priya Abraham
Conrad Mbewe do Zâmbia abraça o amor pela pregação, escrita e controvérsia do reformador batista.
Conrad Mbewe corta o ar com suas mãos. Sua voz de
barítono levanta-se para um tom bem mais elevado. Os olhos da congregação
seguem cada golpe de seu dedo, cada curva de suas mãos. Eles estão ouvindo – e
vendo – um sermão dominical de seu pastor. Este homem é Conrad Mbewe, o
Spurgeon da África.
Mbewe é o pastor da Igreja Batista Kabwata em
Lusaka, Zâmbia – posto que ele assumiu quinze anos atrás quando deixou a sua
carreira de engenheiro de minas. Terminado o culto ele desce por entre os
corredores, esfregando os dedos em sua fronte. Sua face está contorcida pela
fadiga.
Durante um mês, Mbewe pregou apenas uma vez por
domingo, ao invés de duas vezes, como de costume. Depois de três ataques de
malária e conferências ininterruptas na Namíbia, África do Sul e Zâmbia neste
mesmo ano, ele está exausto. “O que me impressiona é como ele consegue fazer
tudo isto,” disse a sua secretária, Lumpuma Chitambala. “A pergunta deveria
ser, quando é que ele descansa?”
O médico de Mbewe requereu dois meses de descanso –
que ele mal observou. “Eu escapava para cá – minha esposa estava trabalhando e
não podia me vigiar,” ele disse, enquanto verificava uma pilha de papéis sobre
a sua mesa. Por de trás de sua mesa, uma cabeça de Impala Real domina a parede.
Logo abaixo, uma foto emoldurada de Charles Haddon Spurgeon descansa sobre uma
prateleira, presente de um pastor do Kansas.
Mbewe não tem certeza de porquê seus ouvintes o
comparam com o inglês que foi o “Príncipe dos Pregadores.” Talvez porque o
Spurgeon também trabalhava ao ponto de cair, ministrando a uma congregação de
4000, pregando 10 vezes por semana, administrando um orfanato, liderando uma
escola de pregadores – o que culminou em exaustão, varíola e gota.
Ou talvez porque Mbewe compartilhe o amor de
Spurgeon pela escrita. Spurgeon editou e escreveu para sua revista mensal, The
Sword and Trowel; o sr. Mbewe escreve já há 10 anos duas colunas semanais para
um jornal do pais, o Daily Chronicle. Uma coluna é um sermão, enquanto a outra
examina questões sociais populares e é moldada para o homem comum, semelhante à
seleção de parábolas de Spurgeon: John Ploughman's Talk (“Conversas do lavrador
John”).
Mas onde este pastor zambiano mais lembra Spurgeon
é no desafio que faz à “larga, porém rasa” igreja no Zâmbia. Este ano ele
declinou de participar na Operação Sol Nascente África – uma cruzada evangélica
com o propósito de levar o ensino evangélico a 50 milhões de pessoas em 50
cidades durante 50 dias no sul e leste da África.
O custo para subsidiar uma cidade para a campanha
de julho e agosto e os três anos de acompanhamento é de 160 mil dólares. A
maior parte dos recursos vem dos Estados Unidos. No Zâmbia centenas de pastores
estão participando da campanha. “Estão todos muito animados com isto,” Mbewe
disse a WORLD. “Minha questão é, o que é que estão fazendo que eu já não faça?
Não se pode ganhar o mundo em 50 dias. Cada geração precisa ser
re-evangelizada”.
Esta transparência no púlpito e em painéis de
discussão na TV nacional, trouxeram atenção sobre Mbewe e seu ministério. “As
pessoa pensam que ele é sempre sério – um tipo de teólogo de sangue frio,”
disse Charles Bota, um amigo de 20 anos de Mbewe. “Ele é caloroso. Ele é
engraçado. Ele sabe muito sobre o mundo”.
Em um sábado à tarde Mbewe vai até o portão da
igreja em seu Toyota Corona com os seguintes dizeres no pára-choque: “Não se
deixe enganar pelo carro – meu tesouro está no céu.” Ele vai pregar para um
grupo de jovens de uma outra igreja. “Meu pobre carro está desistindo”, diz
ele, enquanto o carro estanca duas vezes antes mesmo de atingir a rua. Mbewe
coloca a marcha e então descansa sua mão no volante, casualmente pondo o
cotovelo para fora da janela.
Dentro da igreja, com a rara intimidade de um
pequeno grupo de jovens, Mbewe abandona o pequeno púlpito de madeira e se
coloca a poucos centímetros da primeira fila de bancos. Durante três semanas
ele tem pregado no livro de Gálatas. Agora ele lança perguntas para o grupo e
pára rapidamente enquanto eles se agitam entre anotações e Bíblias. “Demorou
muito, já estou reclamando”, ele diz, enquanto um jovem grita uma resposta.
“Vocês sabem que sempre reclamo quando venho aqui. Vocês não me fazem sentir
como se estivesse na mocidade”. Sua risada recheada e ondulante contagia a
audiência.
De volta à Igreja Batista Kabwata, Mbewe conversa
com membros da igreja na parte de fora de um edifício retangular que hospeda
escritórios, salas de aulas, biblioteca e santuário. Nada disso existia há dez
anos. Em 1987 a igreja de 35 membros reunia-se no salão comunitário da cidade.
A congregação tem agora 200 membros.
Nesse tempo o pastor liderou o contínuo trabalho de
construção. Forro e pintura foram colocados no santuário em 1997 para que a
congregação não mais tivesse seus cultos sob o telhado nu. Uma escola básica
foi iniciada em 1998. Uma editora começou na garagem em 2000.
O crescimento provou ser o teste mais duro para o
pastor. Vinte membros deixaram a congregação com as mudanças que implementou.
Quando chegou em Kabwata encontrou um grupo de diáconos e um presbítero
liderando a igreja. Em dois anos ele criou um conselho de presbíteros e dividiu
as responsabilidades, o que deixou os diáconos fora de alguns processos de
decisão. Ele também introduziu a teologia reformada.
Membros da igreja o acusaram de apontá-los em seus
sermões e disseram que ele não servia para ser pastor. Dapson Mwendafilumba, um
membro que discordou de Mbewe, discutiu, em seu escritório, afirmando que Mbewe
não estava praticando o que pregava. “Ele não se esmerava no cuidado dos
membros, em visitação, quando saía do púlpito”, disse “eu o chamei de ‘ator'.
Eu disse, ‘olhe – você não está conjugando esses dois aspectos do seu
ministério'”. Mbewe descreve este período como o “pior em sua vida
ministerial”.
Ele costuma brincar, “Se eu tossia, diziam: Ele
tosse demais, se eu não tossia, diziam: Porque não está tossindo? Ele não é
humano?”
Logo, aos cinco anos de pastorado, a congregação
teve que votar se aprovava a sua permanência ou não. No final, 92 por cento da
congregação votou pela permanência de Mbewe. Mwendafilumba, que mudou de
igreja, diz que eles estão bem agora. Ele insiste em que Mbewe deveria ter ido
mais devagar em suas reformas. Mbewe concorda. “Ele é muito determinado e gosta
de guiar, empurrar”, disse o Sr. Bota. “Ele raramente se encontra um uma
posição onde outra pessoa é melhor do que ele. Ele tem a tendência de fazer o
que quer que seja feito”.
A esposa de Mbewe, Felistas, recorda da sua
paciência ao lidar com membros da igreja que se opuseram a ele. “Você não vê
meu marido perder o controle”, ela disse. “Se ele se chateia com alguma coisa,
geralmente retrocede. Ele estava tendo noites de insônia, querendo escrever
tudo o que aconteceu”.
Hoje, a reputação de Mbewe se estende para além do
Zâmbia. Ele pregou em conferências reformadas e Batistas nos Estados Unidos,
Inglaterra, África do Sul e no Brasil. Tom Ascol, pastor da Grace Baptist
Church, em Cape Coral, Flórida, encontrou-se com Mbewe pela primeira vez em uma
conferência na África do Sul, em 1995. “Conrad tem o dom de Deus de pregar à
consciência das pessoas” diz ele. “Ele é um devoto estudioso das Escrituras e
da natureza humana, assim como um ávido leitor de teologia. Tudo isto ele tem
em comum com Spurgeon. Também, como Spurgeon, embora seja multi talentoso, ele
é antes de tudo um pregador e gosta demais dessa sua característica”.
Mesmo que Mbewe dê uma paradinha nas segundas à
noite, seu dia de folga, obreiros da igreja escapam constantemente pela sua
porta. Vários membros da escola aparecem para pegar um livro emprestado. “É
assim que acontece nessa hora,” ele diz, gracejando da cadeira em sua sala. Ele
não quer saber muito dessa questão de ser o Spurgeon da África. Mas ele gosta
de ser um pastor.
© World Magazine, 2003.
Tradução: Mauro Meister
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